A união de três crônicas de assombrações numa perturbadora investigação existencial é morosa, não assusta, mas é uma boa tese para provar que a mente enxerga o que quer.
Pouco é o que parece ser nesta quase antologia de contos de fantasmas. “Histórias do Além-Túmulo” é o primeiro filme da dupla britânica Jeremy Dyson e Andy Nyman, que adaptou para os cinemas o texto da peça teatral “Ghost Stories” de mesma autoria. O próprio Nyman (“O Passageiro”) é o protagonista que costura as “histórias”. A partir de entrevistas investigativas que seu personagem, o professor Goodman, faz sobre três diferentes homens, seu intuito é tentar provar que os relatos que eles viveram para contar não passam de frutos da imaginação.
Quando um roteiro de cinema nasce de uma peça de teatro, é natural que a ação predomine em torno dos diálogos e da atuação do elenco. Os três assombrados entrevistados por Andy são inclusive reconhecidos atores do Reino Unido. Paul Whitehouse (“A Morte de Stalin”) interpreta o vigilante noturno Tony Matthews; Alex Lawther (“O Jogo da Imitação”) é o adolescente psicótico Simon Rifkind; e o internacionalmente famoso Martin Freeman (“Pantera Negra”) faz o papel do rico investidor Mike Priddle. Além do fato de Goodman interligar as três crônicas fantasmagóricas, há perturbadores detalhes em comum, tanto visuais quanto nas falas dos personagens, como easter eggs escondidos no filme. Esses intrigantes elementos não se sobressaem, mas impedem que o longa seja considerado uma antologia de terror.
Além de professor, Phillip Goodman é um apresentador de televisão dedicado a desmascarar charlatões que se dizem paranormais. Criado numa rígida família judia, sua motivação é impedir que superstições religiosas destruam famílias como a dele. Quando um velho (e decrépito) ídolo seu entra em contato com um pedido especial, Goodman decide investigar os três homens para ver se suas histórias são realmente sobrenaturais. O conto de Tony Matthews se passa no asilo abandonado em que trabalhava quando foi assombrado pela alma penada de uma criança morta. O de Simon Rifkind acontece numa floresta escura após atropelar uma criatura demoníaca. E o de Mike Priddle envolve um espírito malicioso em sua mansão enquanto espera notícias do nascimento de seu bebê.
O que as “Histórias do Além-Túmulo” possuem a seu favor é a intrigante construção do ambiente e dos detalhes em torno dos contos. Diferente de populares blockbusters de terror, o filme mal usa trilha sonora e muito menos apela a sustos gratuitos para criar o clima fantasmagórico. Individualmente, entretanto, os episódios não trazem nada particularmente especial que justifique uma adaptação ao cinema. A demora proposital para engrenar o ritmo de pavor, o famoso “slow burn”, tampouco ajuda a manter a atenção do público mais sedento por ação, mesmo sendo um ofício de difícil execução. As conversas que direcionam a encenação pouco inventiva das memórias, que abusa do controle de foco e da montagem cíclica para criar tensão, também não favorecem a imersão pelas inevitáveis interrupções. Essa técnica narrativa é usada com sucesso, por exemplo, na introdução de “Os Incríveis 2” e nos filmes de Lars Von Trier “Ninfomaníaca” e “A Casa Que Jack Construiu”, mas aqui deve funcionar melhor no formato original dos palcos.
O saldo só não é negativo porque o filme reserva uma louca reviravolta na conclusão, explicando toda aquela sensação de que havia algo de muito esquisito em comum às histórias, apesar de isso não significar exatamente que tudo fará perfeito sentido no final. Se você aprecia a construção lenta, mas eficaz, de um clima estranho, sombrio e misterioso, mesmo que não seja tanto assustador, “Histórias do Além-Túmulo” é o filme para você. Fica só o aviso que o desfecho da obra é tão insano que chega a rivalizar com os plot twists de “Ilha do Medo”, “Identidade” e “O Amigo Oculto”.