Apesar de ser complexo para quem não é britânico, a produção da HBO mostra como o plebiscito sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia abriu as portas para as fake news e mudou o mundo.
O Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) é um discussão (até agora) não concluída, gerando notícias quase que diariamente sobre a contenda sobre os britânicos. Apesar da decisão de sair do bloco comum europeu ter sido tomada em 2016, até hoje (2019) não se tem uma solução para os cidadãos britânicos, nem se sabe qual será o destino dos imigrantes ou os impactos para a economia e as empresas. A recente quase queda do governo de Teresa May (primeira-ministra do Reino Unido, escolhida para o cargo após a votação do Brexit para liderar o processo de saída da UE) revela que o assunto continuará a repercutir, sem sabermos os próximos passos ou consequências.
Neste cenário de incertezas, o telefilme da HBO “Brexit” continua o debate e mostra como chegamos até esse cenário de confusão. A obra dirigida por Toby Haynes (da série “Black Mirror”) apresenta a história baseada em fatos de Dominic Cummings (Benedict Cumberbatch, “Vingadores: Guerra Infinita”), estrategista político contratado pelo lado a favor da saída do Reino Unido da União Europeia – após o anúncio da realização de um plebiscito como promessa de campanha do primeiro-ministro David Cameron. Cabe a Cummings elaborar a campanha vitoriosa, no cenário onde a permanência no bloco europeu era algo quase certo.
A complexa situação política do Reino Unido torna difícil sua compreensão para quem não é britânico ou quem não lê regularmente as páginas internacionais dos jornais. Os contextos, as peculiaridades, a cultura e até o sotaque britânico tornam difícil a experiência de assistir ao filme, exigindo muita atenção e concentração. Mas quando são escolhidos casos recentes da história político/econômica da sociedade para serem retratados, a HBO se notabiliza por esse tipo de produção. Temas como a crise financeira de 2008 (“Grande Demais para Quebrar”, de 2011), a disputa judicial entre Bush e Al Gore pela presidência dos Estados Unidos em 2000 (“Recontagem”, de 2008) são exemplos de ótimas produções do canal americano que retratam esses acontecimentos e suas consequências posteriores. Em “Brexit”, apenas a segunda mensagem é passada com precisão.
Ao escolher exibir o episódio sob o ponto de vista de Dominic, a produção busca o olhar do responsável por transformar um plebiscito em uma espécie de jogo, com o potencial de mudar o resultado de uma eleição, usando para isso o ódio contido na sociedade (intolerância, medo de imigrantes, nacionalismo…). Ódio esse que acha o momento perfeito para explodir: uma eleição aliada com o ambiente quase sem filtros das redes sociais, onde tudo é possível. Antevendo o poder do Facebook e outros sites, Dominic, em 2016, percebe a capacidade dessas ferramentas para chegar até os eleitores com mais exatidão, conseguindo filtrar os com pensamentos semelhantes, potencializando sua mensagem e difundindo informações, nem sempre verdadeiras para potenciais votantes.
Ao mostrar todo o cenário macro, o filme se torna bem executado, passando bem sua mensagem de forma geral. O problema acontece quando, para isso, é necessário entrar nos detalhes da política do Reino Unido. Para quem não é britânico, é praticamente impossível entender todas as conexões políticas, todos os nomes de pessoas e partidos envolvidos no debate entre o Leave (Fora da UE) e o In (Dentro da UE). A direção de Toby Haynes, com cortes e diálogos rápidos, prejudica ainda mais a compreensão da história, lembrando muito o roteirista Aaron Sorkin (“A Grande Jogada”) e seus diálogos velozes, dinâmicos e, normalmente, complicados de entender.
A interpretação de Benedict Cumberbatch demonstra bem todos os dilemas dentro da cabeça de Cummings, conseguindo, inclusive, manter o mistério a respeito da sua opinião sobre o plebiscito do Brexit. Agindo como profissional, o consultor mantém foco no seu trabalho, lutando pela vitória custe o que custar. Mas, ao mesmo tempo, parece ter noção do precedente da sua ação e sua consequência. O restante do elenco do telefilme não se destaca, principalmente em função da torrente de personagens presentes na tela.
Entre todos os erros e acertos de “Brexti”, a mensagem transmitida pela produção da HBO fica clara: o discurso de ódio acha nas redes sociais o ambiente ideal para se propagar, e a saída do Reino Unido da UE comprova isso. A campanha contra os imigrantes (defendida por partidos de direita), acusando-os de trazerem prejuízos econômicos e roubarem empregos dos trabalhadores locais, transparece a necessidade de voltar a ter o controle – em todo seu sentido nostálgico. Fica claro o quanto esse discurso cola na massa, fraturando a sociedade (fazendo com familiares parem de se falar, por exemplo), criando divisões antes inexistentes, ou não percebidas, e abrindo a porta para movimentos de ideologias semelhantes em outros países. Todos esses acontecimentos têm relação direta com a popularidade de uma palavra pouco usada até então, mas agora amplamente conhecida: fake news. Dominic Cummings soube usar bem esse conceito. A consequência nós vemos até agora.