Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Gotti (2018): Cosa Nostra malsucedida

Filme inspirado na trajetória do mafioso John Gotti não acrescenta nada de novo ao gênero e ainda tropeça em uma narrativa confusa com atuações preguiçosas.

A máfia exerce certo fascínio sobre o público. Geralmente apresentam figuras imponentes, mandachuvas de grandes comunidades, que resultam em histórias brutais e repletas de intrigas. Do caminho pavimentado pelo clássico “O Poderoso Chefão”, surgiram “Os Bons Companheiros”, “Cassino”, “Os Infiltrados”, “Senhores do Crime”, até o mais recente “Aliança do Crime” com um irreconhecível Johnny Depp. Vez ou outra o cinema surge com histórias de algumas personalidades que, sejamos honestos, nem mereciam ter suas vidas relembradas. Porém, chegou a vez de John Gotti ganhar os holofotes. Pena que Gotti não mantém a qualidade de seus antecessores. Sem charme ou estilo, o longa protagonizado por John Travolta (“Pulp Fiction: Tempo de Violência”) deixa a desejar em todos os aspectos que envolvem os filmes de máfia, e desperdiça a história de um homem cheio de nuances.

A narrativa mostra a jornada do gângster ítalo-americano John Gotti, um dos maiores criminosos de Nova York, de suas pequenas contribuições para com a Família Gambino até o momento em que assume o comando do clã, antes liderado por Paul Castellano. Na busca pela consolidação como chefe respeitado, Gotti tem que lidar com os ocasionais problemas familiares, traições, lutas contra a justiça, perdas significativas e a vontade do filho em também integrar a máfia. Os ingredientes para a composição de uma empreitada bem-sucedida são fartos, mas a narrativa desconjuntada não sabe aproveitar o produto que tem em mãos. Toda a elegância advinda do submundo do crime, festas deslumbrantes, violência e processos para fazer dinheiro diante dos olhos das autoridades, aqui são encarados burocraticamente. Ao invés disso, a narrativa aposta em atuações precárias e caricatas, a começar pelo protagonista.

Há tempos sem emplacar uma atuação marcante, John Travolta exibe em “Gotti” uma performance preguiçosa e de tons contrastantes. Por mais que saia em vantagem – graças a sua face expressiva e seu olhar penetrante -, não consegue ir além do que já possui. Suas caretas ressoam na tela, assim como os maneirismos de outrora. E o sotaque de gângster ítalo-americano, que deveria aparecer com frequência, é inexistente, assim como várias outras características que permeiam a Cosa Nostra. Em matéria de tom, sofre para transitar entre o bom-mocismo perante sua comunidade e o severo e desalmado quando está cercado de seus confrades. Além disso, vemos pouco de seu lado obscuro em ação, um problema palpável do texto que faz com que o espectador não sinta a ameaça que John Gotti representava para seus inimigos.

Incapaz de se reinventar num personagem cheio de nuances, Travolta e o filme sofrem ainda com as interpretações esquecíveis dos coadjuvantes. Casada com o ator na vida real, Kelly Preston (“O Super Lobista”) faz as vezes de Victoria, mulher de Gotti, e sem espaço ou ao menos falas boas, apenas servindo de enfeite para a narrativa. O mesmo pode se dizer de Spencer Rocco Lofranco (“Invencível”) na pele do filho mais velho do casal, John A. Gotti. Nos momentos em que é convocado para o drama, o ator revela amadorismo e, para se ter uma noção do tamanho do desastre em tela, quando divide a tela com Travolta, acaba sucumbindo ao já combalido trabalho do veterano. No mais, ninguém merece ou será lembrado após o fim da sessão. Sem esse suporte, não existem laços que possam ser criados, o que é imprescindível numa produção onde a família – ao lado da violência – são elementos vitais.

É muito doloroso ter que criticar uma produção que com um argumento mais consistente e colaborações mais enérgicas poderia resultar num forte drama, mas a cada plano torna-se cada vez mais difícil encontrar bons motivos para assistir “Gotti”. De modo geral, é um longa desastroso, sem vida e sem coração, coisas que, lendo um pouco sobre a trajetória de John Gotti, revelam-se primordiais na composição de homem que foi amado e odiado com a mesma intensidade. Para completar a tragédia, a trilha sonora é uma bagunça que mistura ora sons do subúrbio com arranjos de músicas italianas, ora rock’n’roll. Dá pra imaginar? Com uma montagem desordenada, que abusa das elipses e confunde o espectador e uma direção mais do que convencional de Kevin Connolly (“Entourage: Fama e Amizade”), “Gotti” termina sendo mais um filme irrelevante, tanto para o cinema quanto para a carreira de John Travolta.

Renato Caliman
@renato_caliman

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