Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Mãe e Pai (2018): terror, comédia e adultos surtados

Com uma roupagem violenta e bem humorada, a obra é uma hilária sátira sobre a vida adulta dedicada a filhos e recompensa pela inspirada escalação de Nicolas Cage.

O amor aos filhos é um sentimento incondicional, mas há momentos em que você só quer… matá-los! Essa é a louca premissa de “Mãe e Pai”, uma comédia de terror que satiriza aquela fase em que os pais caem em si sobre tudo que sacrificaram pelos filhos num tempo que não volta mais. Este “terrir” acompanha o dia de uma adolescente e seu irmão caçula enquanto tentam sobreviver a um fenômeno inexplicável de histeria coletiva em que pais resolvem acabar violentamente com a vida dos próprios filhos. A absurda história fica ainda mais divertida quando os enlouquecidos protagonistas são interpretados por Selma Blair (“Segundas Intenções”) e Nicolas Cage (“Mandy”) na sua mais celebrada fúria.

Uma manhã rotineira de uma família genérica de classe média norte-americana. Carly (Anne Winters, “Operação Supletivo – Agora Vai!”) e Josh (Zackary Arthur, “A 5ª Onda”) se preparam para ir à escola com a mãe, Kendall, personagem de Selma, enquanto Brent, papel de Cage, comenta uma notícia da TV sobre uma mulher que largou o carro com o filho dentro nos trilhos de um trem. “Sempre escutem a mãe de vocês” é a lição nonsense do pai em plena crise de meia idade, cuja piada prepara o tom de humor ácido do filme escrito e dirigido por Brian Taylor (“Gamer”).

Ressentido pelo rumo de sua vida, pelos quilos a mais e pelas entradas no cabelo, Brent tenta compensar a insatisfação crescente comprando uma mesa de sinuca e mantendo o carro de sua juventude na garagem de casa. A esposa por sua vez sofre frustrada por não conseguir mais acompanhar os hábitos da filha adolescente. Carly tem outros amigos, já deixou o Facebook pelo Instagram e não liga mais para Kendall, que frequenta uma academia de ginástica com outras mulheres que invejam o corpo púbere das filhas, e amarga o fato de não conseguir voltar a trabalhar desde que largou tudo para cuidar das crianças. Como todo bom filme de terror é uma alegoria para aflições humanas, o repentino impulso sobrenatural de aniquilar os descendentes é brilhantemente justificado contra a obsolescência parental.

Sem necessidade de uma explicação mais elaborada que a do mistério semelhante de “Bird Box”, uma horda de pais transtornados voa para as escolas para caçar suas crianças com as próprias mãos ou qualquer objeto que estiver pela frente. Logo após o parto, uma nova mamãe destrói o quarto de hospital atrás do bebê ao som irônico de “It Must Have Been Love”, da dupla Roxette. Há de convir, não são cenas usuais, mas com todo um potencial sarcástico bem aproveitado, a câmera cola na ação e faz graça com as bizarras situações em vez de exagerar no sangue e no horror, limitados porém pelo baixo orçamento da obra.

Quando a sede de violência finalmente alcança os pais de Carly e Josh, é a hora de Selma e Nicolas brilharem enquanto destroem o lar inteiro atrás dos filhos. E se tem algo imperdível neste filme são os monólogos revoltados de Cage quebrando tudo pela casa e gritando indignado as mais hilárias frases. Próximo do desfecho, o roteiro abusa do conveniente papel do namorado de Carly e o ritmo do filme diminui, mas para tão logo finalizar surpreendentemente. Com um argumento criativo e uma divertida execução burlesca, “Mãe e Pai” é uma gratificante sátira de terror para ser vista com muita pipoca e amigos ao redor.

William Sousa
@williamsousa

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