Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de janeiro de 2019

Marjorie Prime (2017): entre a memória e a realidade

Mesmo incorporando uma premissa sci-fi sobre holografia de entes falecidos, a narrativa se revela enfadonha por concentrar-se em diálogos inconclusivos.

Marjorie Prime” é baseado na peça do dramaturgo Jordan Harrison, que foi finalista do Prêmio Pulitzer de 2015. Assim sendo, o longa traz consigo toda a verborragia do teatro e se desenvolve inteiramente no mesmo ambiente. O filme foi escrito e dirigido por Michael Almereyda (“Experimentos”), e nos apresenta Marjorie (Lois Smith, de “Lady Bird: A Hora de Voar”), uma senhora que sofre de Alzheimer e que vive aos cuidados de sua filha Tess (Geena Davis, da série “Grey’s Anatomy”) e seu genro Jon (Tim Robbins, de “Bem-Vindos ao Mundo”). A fim de tentar trazer consolo para a idosa aposentada, ambos contratam um serviço (Prime) que recria, holograficamente, o falecido marido de Marjorie, Walter (Jon Hamm, de “Em Ritmo de Fuga”), cujas memórias e personalidade são reconstruídas a partir conversas com os integrantes da família.

De início, a atmosfera instalada dá a entender que ambos estão esperando algo, até que logo observamos que a trama é justamente sobre retratar a espera da morte. Embora a história se passe na casa de praia da família, a paleta de cores é fria e os figurinos ganham tons mais escuros conforme o longa se desenvolve. Enquanto Marjorie é apresentada como uma ex-violinista lamuriosa que começa a sentir os reflexos da velhice, Walter é uma cópia holográfica perfeita de seu marido na juventude. O contraste de idade gera discussões filosóficas sobre aceitação, afinal, foi escolha dela retratar o falecido marido no auge de sua beleza. Nesse sentido, Jon Hamm domina a tela com seu semblante compenetrado de galã de meia idade.

Contudo, a escolha não se faz apenas pela beleza, a projeção do holograma remete a melhor memória da idosa. Nesse contexto, é onde “Marjorie Prime” tem seus melhores argumentos; quando Tess questiona seu marido, o longa entra na principal discussão: “Quando você se lembra de algo, recorda-se da lembrança. Mesmo uma lembrança bem forte pode não ser confiável porque está sempre no processo de se dissolver”. Antevendo que sua mente senil se degradará e posteriormente virá a falecer, Marjorie insiste que o Prime reconte suas histórias para que cada fragmento se encaixe. A obsessão dela pelo aperfeiçoamento do sistema não se dá pelo amor que sente por Walter; ela simplesmente quer transferir suas melhores memórias para a máquina.

Mesmo verborrágica e exaltada algumas vezes, a narrativa se desenvolve nas sutilezas dos seus personagens. Até mesmo Walter evolui, com suas observações comportamentais e suas pesquisas realizadas pelo próprio programa o tornando cada dia mais parecido com o ente perdido. É a tentativa do robô de se tornar humano através de frases interrogativas. E como é comum em uma ficção científica, o tom frio se estende por toda a obra. A fotografia acompanha o ritmo com suaves transições, e os planos abertos da natureza sempre indicam um salto temporal.

Divagando entre o que foi e o que nunca será, “Marjorie Prime” exprime muito bem conceitos de como nosso cérebro acessa as memórias. Mas ao fazer questionamentos psicológicos ambientado num futuro tecnológico que não se desenvolve, a trama não se encontra nas próprias ideias que propôs a discutir. O senso de realidade é substituído por um luto infindável. É um conceito que se sai melhor no teatro, pois aqui, até o potencial de Jon Hamm fica limitado ao drama casual.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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