Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

IO: O Último na Terra (Netflix, 2019): solidão e esperança

Ao mostrar jovem solitária em um planeta Terra abandonado por problemas ambientais, Netflix ganha em qualidade ao investir em obra de ficção científica que não fornece respostas fáceis.

Filmes de ficção científica são capazes de mexer com a imaginação do público; neles é possível viajar para outros mundos e imaginar galáxias distantes. Aliado a filosofia, a ficção científica permite pensar para onde o ser humano vai e de onde ele veio. Além disso, algumas obras do gênero mostram os problemas e os dilemas dos homens, suas incertezas e preocupações tendo o cenário futurista apenas como plano de fundo. “IO”, produção pós-apocalíptica da Netflix escolhe esse caminho.

O filme franco-americano dirigido por Jonathan Helpert – do pouco conhecido “House of Time” -, mostra a Terra abandonado após a poluição chegar a níveis catastróficos. Isso originou a Operação Êxodo, missão que levou a população terrestre para uma colônia em IO, uma das luas de Júpiter, onde buscam encontrar outro planeta em condições semelhantes a Terra para poluir novamente habitá-lo. Em sua solitária jornada na Terra, a cientista Sam Walden (Margaret Qualley, “Death Note”) busca provar que ainda é possível viver no planeta azul.

Sem especificar época ou região, Sam vive em um laboratório onde os níveis de poluição são mais baixos, possibilitando condições de vida e de trabalho. Interessada em obras de artes, mitologia grega e filosofia, ela parece gostar de viver sozinha, adaptada a sua rotina de viagens a regiões infectadas e estudos científicos no laboratório. Seus raros momentos de comunicação exterior acontecem quando troca e-mails com Elon, seu namorado que vive em IO e promete se reencontrar com ela em breve.

A rotina solitária de Sam muda quando uma tempestade destrói seu trabalho científico. Aliado a isso, ela recebe uma mensagem de Elon informando que as últimas naves na Terra estão partindo para a colônia na lua de Júpiter, em uma viagem sem retorno. Sam decide então partir. Neste momento ela é surpreendida com a chegada de Micah (Anthony Mackie, o Falcão de “Vingadores: Guerra Infinita”) um viajante surgido em um balão que sempre acreditou no poder de recuperação do planeta em busca do pai de Sam, famoso cientista contrário ao abandono da Terra.

“IO” chama a atenção pelo seu tamanho. O filme tem poucos atores, utiliza poucas locações, usa poucos efeitos especiais e abdica de cenas de ação,mostrando que o principal ponto de interesse da produção são os diálogos. Sam Walden é uma personagem incerta, de difícil compreensão, pois não sabemos seus pensamentos, por que olha tanto tempo para uma imagem, por que não diz o que sente, se gostaria ou não de sair da Terra. Aqui a solidão, tema muito bem explorado no longa, se destaca. A jovem Sam quer mesmo sair do planeta?

O discurso do filme da Netflix, mesmo usado como plano de fundo, e às vezes de forma não tão explícita, é voltado para a conscientização ambiental. Seu enredo lembra a temática de “Wall-E”, onde a humanidade saiu da Terra em função da quantidade de lixo gerada. “IO” consegue desenvolver bem sua história, com o maior problema acontecendo apenas no segundo ato. Ele demora assim como Sam e Micah esperando à mudança no vento responsável por levar o balão até a última nave da Terra. O último ato se desenvolve apenas nos minutos finais.

Aqui as respostas não estão prontas e nem são claras. Talvez o principal mérito da obra – o que está em falta nos filmes pasteurizados de hoje com histórias sempre iguais – seja o não dito, as mensagens em volta. O uso da mitologia e alegorias ajudam a reforçar o mistério do final, de difícil compreensão para entender o destino de Sam e Micah. O choque entre solidão e esperança, dois sentimentos costumeiramente opostos, mostra como a ficção científica consegue juntar esses temas. O gênero não se resume a contar histórias de robôs e sociedades do futuro, mas sim de pensar no próprio ser humano, nas suas decisões e suas consequências, talvez, para toda a humanidade. Obras do mesmo gênero, como “Interestelar” e “Sunshine – Alerta Solar” são grandes exemplos dessa mistura bem-sucedida. “IO” não é do mesmo nível desses exemplos, principalmente em questão de orçamento, mas segue o mesmo caminho: difícil para o grande público, mas necessário para quem não quer apenas ver um filme, mas pensar sobre ele depois, por dias quem sabe. Méritos da Netflix, que possui condições de criar obras de nicho, sem ter a obrigação de agradar a todos os seus espectadores.

Filipe Scotti
@filipescotti

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