A obra adaptada traz Kevin Hart num papel dramático, além de Bryan Cranston e Nicole Kidman fazendo o melhor que podem para justificar um remake desnecessário.
Em 2011, o filme francês “Intocáveis” fez sucesso extraordinário nas bilheterias mundiais com uma comédia dramática baseada numa história real sobre a amizade entre um tetraplégico milionário e seu desbocado cuidador e ex-presidiário. Como praxe, Hollywood sente a oportunidade de repaginar obras estrangeiras para o inglês e a partir dessa obra surge então “Amigos para Sempre”, dirigido por Neil Burger (“Divergente”) e estrelado por Kevin Hart (“Um Espião e Meio”), Bryan Cranston (“Ilha dos Cachorros”) e Nicole Kidman (“Aquaman”).
Um prólogo de ação introduz o personagem de Hart, Dell Scott, dirigindo perigosamente um luxuoso carro pelas ruas de Nova York ao lado de Phillip Lacasse, papel de Cranston. Phillip é um abastado investidor que tem tudo que o dinheiro pode comprar, mas precisa de Dell como auxiliar já que perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo num acidente. A história começa, no entanto, seis meses antes, quando Dell sai da prisão em condicional e precisa buscar um emprego para se manter em dia com a lei. Desiludido, ele não tem intenção em conseguir trabalho, da mesma forma que o descontente Phillip não quer um acompanhante, mas os dois cínicos e birrentos precisam e aceitam o improvável contrato, mesmo a desgosto de Yvonne, a fiel e dedicada empresária de Lacasse interpretada por Kidman.
Para os admiradores do original, “Amigos para Sempre” carrega um tom mais dramático e menos carismático, muito pelo resultado do protagonismo de Kevin Hart. Apesar de ser um ator conhecido pela comédia, aqui ele se compromete com um personagem mais sério e arrogante, cujo humor subjugado nasce dos conflitos contra os que desafiam sua posição e é bastante brando comparado ao que se costuma ver em seus filmes. Enquanto Dell e Phillip trocam lições de vida, as tentativas de criar química entre os dois se inclinam mais na direção de construir piadas do que na de emocionar o público e não alcançam um equilíbrio convincente e satisfatório. Além disso, uma trama paralela de reaproximação de Dell e seu filho serve para oferecer impulso, complexidade e mais oportunidades de drama para Kevin, mas parece estender o longa para longe da meada principal.
Entre montagens supostamente edificantes, estereótipos femininos convencionais e comédia de comportamento típico adolescente, o filme tenta reciclar o charme de “Intocáveis”, só que com menos impacto mesmo com suas estrelas hollywoodianas. As escolhas dramáticas de Kevin Hart são corajosas, mas não funcionam como a atuação de Bryan Cranston, que só tem o rosto e a voz para expressar a amabilidade e o sarcasmo ressentido de Lacasse, apesar de suas motivações não estarem bem dispostas no roteiro. Tirando ainda mais água de pedra, Nicole Kidman é uma escolha luxuosa demais para um papel secundário, assim como usar uma nota de 100 para limpar o chão. Mesmo sem muito o que fazer, a atriz brilha no suporte aos protagonistas, deixando suas intenções legíveis por seu encanto e sua versatilidade. Destaca-se também a participação especial de Julianna Margulies (da série “The Good Wife”) numa sensível sequência de virada para a história.
Apesar do drama destoado e dos clichés de roteiro, os protagonistas fazem o que podem para vender a ligação afetiva entre dois homens de distintas raças e classes em situação de vulnerabilidade. Ao mostrar o dia a dia de um deficiente físico, “Amigos para Sempre” também explora um tema ainda muito incomum no cinema com sensibilidade. Embora o filme original funcione melhor e com mais carisma para tratar desses assuntos, a versão americana traz estrelas tarimbadas para recontar a história e modifica o final para ao menos recompensar a comparação como alternativa.