Bem dirigido, "Ferrugem" vai além da discussão da "internet tóxica" para demonstrar que o problema já existia bem antes dela.
Um passeio no aquário de Curitiba onde jovens estão mais interessados na tela de seus celulares do que propriamente na explicação do professor ou nas belezas marítimas com as quais se deparam. Esta é a cena inicial de “Ferrugem“, e ela diz muito sobre a poderosa história que vamos acompanhar. História essa que anda em seu próprio ritmo, tem suas próprias ambições e toca em assuntos sérios ao contar o dilema de Tati (a estreante Tifanny Dopke), que após perder seu celular, tem um vídeo íntimo vazado. Desde então sua vida se transforma num inferno, tanto em seu colégio como fora dele.
O enredo é dividido em duas partes, ambas bastante distintas. A primeira apresenta a protagonista e suas amigas num ambiente que transita entre o saudável e o passivo agressivo, onde qualquer vacilo seria fatal. Quando o tal vídeo é descoberto, é nítido tanto na fotografia de Rui Poças (“As Boas Maneiras”), quanto no tom da própria produção, um ar mais sombrio. Toda a efusividade da juventude é trocada por um sentimento de luto, refletido no visual de Tati.
Esse clima de “Ferrugem” não seria possível sem o trabalho de direção impecável de Aly Muritiba (“Para Minha Amada Morta”). O diretor, que também assina o roteiro ao lado de Jessica Candal, se utiliza de planos longos e misen-en-scène que trazem bastante fluidez a uma história forte, atual e recheada de significado. Isso é visível nas grades e paredes que separam personagens distantes, a conversas ao volante que parecem banais, além de reviravoltas que mudam completamente o rumo deste relato dramático – principalmente na segunda parte.
Nela, Renet (Giovanni de Lorenzi, da novela “Deus Salve O Rei”), que pode ou não ter sido o responsável pelo vazamento do vídeo, é o principal destaque – além do contemplativo visual do litoral curitibano. Esta parte mais introspectiva reflete sobre os efeitos da internet na vida da maioria das pessoas, nunca tornando-a uma vilã, e sim um meio para atitudes monstruosas. O foco não é o grande mistério envolvendo o vazamento do vídeo e sim como as consequências do ato mexem com a cabeça dos envolvidos.
Aliás, os personagens são o único ponto fraco da narrativa. Ironicamente, não conhecemos Tati o suficiente para que nos importemos, mas é aquela a quem mais nos apegamos. O restante não gera a empatia necessária para que haja qualquer tipo de ligação emocional – apesar dos diálogos extremamente identificáveis -, ausência bastante criticada em outras obras do cinema nacional. O filme sabe exatamente o que revelar e o que omitir, sempre deixando a tensão e a dúvida sobre tragédias posteriores a mercê do espectador.
Assim como os pais e professores na trama, a produção ensina que existe vida fora da internet, e para aqueles jovens, isso é elucidado da pior maneira possível. A misoginia presente na narrativa é um debate importante sobre como tais comportamentos já existiam desde a era pré-internet e foram potencializados com a chegada dela. É interessante ressaltar que não apenas os jovens sofrem com tais comportamentos, pois há também uma grande influência dos adultos, tanto em relação a masculinidade tóxica no pai de Renet (Enrique Diaz, da série “O Mecanismo”), quanto aos seus claros problemas de comunicação com a mãe (Clarissa Kiste, da série “3%”). “Ferrugem” poderia muito bem cair na temática já relatada em outros filmes e séries atuais, mas está disposto a tornar o indivíduo parte da história que é muito maior que eles.