As intenções para contar uma história de amadurecimento sexual são muito boas, porém a execução esbarra na falta de desenvolvimento da trama e dos personagens.
Coming of age é uma expressão para se referir a um tipo de filme sobre amadurecimento, em que um jovem entra na vida adulta tendo que se conhecer e encontrar seu lugar no mundo. Quando as descobertas sexuais também são trabalhadas dentro dessa jornada, a narrativa ganha novas e ricas possibilidades dramáticas. “Ratos de Praia” tenta combinar as duas propostas e até as apresenta de forma instigante, capturando a atenção do espectador. Entretanto, o desenvolvimento fica a desejar.
Escrito e dirigido por Eliza Hittman (da série “13 Reasons Why”), o filme acompanha parte da vida do jovem Frankie (Harris Dickinson, de “Mentes Sombrias“), que não trabalha nem estuda. Sua vida é marcada pela interação com os amigos, indo à praia e ao parque de diversões ou consumindo drogas; pela convivência não tão agradável com sua família desde que o pai contraiu câncer; e pelo namoro com um jovem que conheceu no parque. Seu cotidiano ainda guarda um segredo: os encontros com homens mais velhos com quem conversa pela internet – aos 19 anos, ele tem dúvidas em relação à sua sexualidade e diz a si mesmo que suas diferentes experiências sexuais servem para descobrir do que gosta.
O roteiro, a partir do argumento inicial, abre várias pequenas “subtramas” para o protagonista, que não vão muito longe: dificuldade de expressar seus sentimentos diante da família (inclusive passando pouco tempo com a mãe e a irmã), a imagem de virilidade que passa ao namorar Simone (Madeline Weinstein, de “Alex Strangelove“), e ao andar com amigos que fazem o perfil de “machões”, além do conflito interno que sente ao não se entregar abertamente aos relacionamentos homossexuais. Tudo isso é apresentado sem passar por um desenvolvimento minimamente satisfatório que indique como Frankie era impactado pelos fatos à sua volta ou, ao menos, refletia sobre si mesmo. Os momentos de silêncio, de pequenos gestos e ações apenas mostram o que ele vive e não possuem força dramática.
O problema também se reflete nos personagens, inclusive, no protagonista, que se iniciam em determinado ponto e não apresentam uma evolução ou um arco dramático percorrido, chegando ao final da mesma forma como estavam no início. Tanto o roteiro quanto a direção de “Ratos de Praia” falham no desenvolvimento dos personagens: o texto repete situações que, da maneira como foram construídas, não acrescentam nada muito contundente, dentre elas o uso de drogas entre os amigos e o desconforto de Frankie dentro de casa. Já a direção não extrai o que pode de momentos que levariam a um clímax, quando, por exemplo, o protagonista inventa uma razão aos amigos para explicar seus encontros com outros homens e, em seguida, em um confronto na praia – esse último momento, por sinal, tem uma fotografia excessivamente escura sem motivo concreto que apenas dificulta a visualização do que está acontecendo.
Ainda que os personagens sejam pouco desenvolvidos, a atuação de Harris Dickinson não compromete. De modo simples, seu olhar triste e um constante movimento para baixo da cabeça indicam uma personalidade conflituosa e uma postura defensiva quando se trata do contato emocional com outras pessoas. O ator também compõe Frankie como alguém que precisa se adaptar aos diferentes ambientes por onde transita: com a família, ele é inexpressivo e pouco interage com os parentes (inclusive dormindo em um cômodo afastado); com os amigos tenta aparentar um lado duro e “machão”; com a namorada, faz um esforço muito grande para aparecer interessado nela e no sexo (mesmo não estando); e com os homens com quem sai, tem um prazer reprimido de alguém que ainda não se conhece e teme a reação dos outros.
O filme em si parece ter dúvidas de como tratar as indecisões do protagonista quanto à sua orientação sexual: por vezes, constrói sequências para indicar que o jovem está se descobrindo; em outras ocasiões, para indicar que teme o preconceito social. São variações tão grandes e frequentes na narrativa que fazem as duas questões serem muito superficiais. Mesmo assim, as sequências de nudez e de sexo são inseridas de forma orgânica, fazendo a câmera passear pelo corpo dos homens com quem Frankie se relaciona em uma demonstração de intimidade. Além disso, as relações sexuais são filmadas diferentemente segundo o significado para o personagem: com Simone são rápidas ou apenas sugeridas, sem sensualidade; com os outros homens, existe a luxúria e as cenas são mais bem detalhadas, a partir de um ritmo cadenciado.
Eliza Hittman usa a câmera na mão seguindo o protagonista em diversos instantes para gerar uma identificação com o personagem. Porém, apenas esse recurso não é suficiente para fazer com que o público tenha, de fato, um vínculo emocional com o que vê em tela e se importe verdadeiramente com aquelas pessoas. Diante dos problemas na construção do roteiro e no desenvolvimento dos arcos narrativos, “Ratos de Praia” é um filme frio e distante, apesar de uma premissa interessante.