O diretor e roteirista Guillaume Senez apresenta um drama pessoal sobre um homem dividido entre aspirações profissionais e as responsabilidades perante sua família.
Imerso no trabalho como capataz em um gigantesco armazém logístico, o esforçado Olivier (Romain Duris, “Todo o Dinheiro do Mundo”) encontra dificuldades para separar o pessoal do profissional em “A Nossa Espera”, produção franco-belga escrita e dirigida por Guillaume Senez (“9 Meses”). O dedicado funcionário defende fervorosamente os colegas diante das injustiças da empresa, mas não consegue se aproximar dos companheiros, por exemplo, para avisar um deles de uma iminente demissão. Em casa, Olivier conta com a esposa Laura (Lucie Debay, “Lola Pater”) para cuidar do casal de filhos pequenos, mas ela por sua vez enfrenta uma depressão que o desatento marido não consegue perceber.
O drama social é um tema presente no cotidiano francês pela relação peculiar que o povo tem com o trabalho. Bastante politizados em relação a seus direitos, a luta sindical é comum no país que é palco de grandes movimentos desde a Revolução Francesa até as recentes manifestações contra reformas trabalhistas e os protestos dos “coletes amarelos”. Por consequência, o conflito entre as relações pessoais e profissionais é assunto comum no cinema francófono, sendo tratado como mote central do ótimo “Dois Dias, Uma Noite” dos irmãos Dardenne, e agora retornando na obra de Senez. Os desafios lançados ao protagonista de “A Nossa Espera” se intensificam quando sua esposa decide sumir abandonando trabalho e lar indefinidamente e sem dar explicações à família.
Os motivos para a fuga de Laura não são explicitados pelo roteiro, até mesmo porque tal atitude extrema raramente é compreendida por inteiro. Entretanto, a história entrega possíveis razões por entrelinhas e temas secundários como negligência parental e crises financeiras, mas na perspectiva de Olivier, a decisão de Laura é indecifrável. A resolução do mistério de sua partida precisa ser deixada de lado para poder contemplar a principal razão de ser de “A Nossa Espera”, que trata das dificuldades de alcançar equilíbrio entre as demandas e expectativas do trabalho e da família. É nesse ponto que o longa diverge da trama de “Kramer vs Kramer” e apresenta suas nervosas questões por uma câmera realista operada aos braços.
Olivier se importa demais pelo trabalho e conta com a ajuda da mãe e da irmã para cuidar das crianças, ignorando a necessidade de afeto que acomete ele próprio e os filhos. O mais velho se vê no dever de amadurecer mais rápido e a caçula se retrai em frente à televisão e no silêncio. Visualmente, se observa uma mão forte de Guillaume para pintar a depressão no lar por cores exclusivamente frias e escuras agravadas pela mágoa do abandono. Qualquer resquício de esperança demora para aparecer devido à teimosia de Olivier para refletir sobre suas prioridades contra suas responsabilidades e entender que não se consegue tudo que quer agindo da mesma forma. O alcance emocional exigido a Romain Duris pela história é satisfeito por uma interpretação delicada do ator, perseguido pelos quadros sem exageros melodramáticos.
Numa tradução equivocada para o português, o título original “Nossas Lutas” (“Nos Batailles”, em francês) melhor reflete os embates pessoais em detrimento da passividade de uma “espera”. A ausência paterna supostamente justificada pela valorização do trabalho é criticada em meio a recortes do cotidiano de Olivier e sua família sem perder o fio da trajetória emocional dos personagens. Talvez não seja fácil para qualquer espectador embarcar completamente na identificação com o protagonista já que o filme trabalha conflitos relativamente exclusivos, mas uma das graças do cinema é justamente desafiar o público a acompanhar personagens que fogem do habitual. Dadas essas ressalvas, “A Nossa Espera” convida a uma jornada particular de um homem à deriva através de uma história sensível e de potencial inspirador para as audiências.