Há mais de dez anos sem realizar um filme, Tamara Jenkins retorna triunfante com uma graciosa comédia sobre as dificuldades de querer filhos após certa idade.
Rachel (Kathryn Hahn, “Perfeita é a Mãe”) e Richard (Paul Giamatti, “Sideways – Entre Umas e Outras”) são intelectuais nova-iorquinos passando pela meia-idade e desesperadamente tentando ter uma criança. “Mais Uma Chance” acompanha as estratégias e investidas do casal já sofrido pela impaciência e pela frustração de buscar repetidamente sem sucesso o sonho de gerar um filho. Escrito e dirigido por Tamara Jenkins (“Os Savages”), a obra lançada pela Netflix não pega leve com os protagonistas, mas trata o delicado assunto com muito coração e um excelente humor.
O primeiro plano do filme enquadra a cintura de Rachel como as curvas da Scarlett Johansson em “Encontros e Desencontros”, só que ao avesso. O que deveria ser sensual é interrompido por uma injeção de preparação para o caro e sacrificante procedimento de fertilização in vitro que o casal está prestes a fazer. Inseminações artificiais e processos de adoção não deram frutos e, como restam poucas opções, os “viciados em fertilidade” não medem mais os esforços, mesmo que tenham que pedir dinheiro emprestado ao irmão de Richard, Charlie (John Carroll Lynch, “Fome de Poder”), e aturar os julgamentos da cunhada Cynthia (Molly Shannon, “Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer”).
Frequentar as clínicas e ter que falar sobre o assunto com amigos e parentes nunca deixa de ser constrangedor para os protagonistas. Tudo parece lembrá-los da condição de não ter filhos e de como interrompem suas vidas para tentar se tornar pais enquanto o resto do mundo em volta não os espera. O que seria um tema doloroso, nas mãos sensíveis de Jenkins se converte em fonte inesgotável de piadas e situações bem humoradas. Do jantar em família até a visita de uma agente de adoção, são todas divertidíssimas oportunidades para Tamara expor suas críticas ao assunto através das vozes carismáticas da emotiva Rachel e do pragmático Richard.
Quando a fertilização in vitro falha e a probabilidade de sucesso não compensa o investimento financeiro do casal, a doação de óvulos é colocada na mesa como alternativa, e a busca por uma doadora ideal acontece num momento bastante conveniente. Sadie (Kayli Carter, “O Chamado 3”), a jovem enteada de Charlie e aspirante a escritora, passa por uma crise profissional e quer ficar um tempo no apartamento dos tios postiços em Nova York para encontrar seu caminho na cidade em vez de voltar para os subúrbios. Ela vê os tios como exemplos autênticos de artistas descolados, imagem que o casal não tem de si mesmo, e decide ajudá-los na empreitada mesmo contra a vontade da mãe. Enquanto Sadie enxerga o ato como um presente simbólico, Cynthia acusa os fantasiosos cunhados de praticar lavagem cerebral na filha.
Sem perceber, Rachel e Richard passam a atuar como pais substitutos para Sadie, cujos comentários sinceros sobre o estilo de vida do casal servem como espelho para refletirem sobre a situação e suas escolhas. Os diálogos ágeis e inteligentes de Tamara lembram as vozes talentosas e contemporâneas de Greta Gerwig e Noah Baumbach sobre uma classe média urbana e seus dramas de maturidade. À medida que a situação foge do controle dos protagonistas, seus desequilíbrios se intensificam e afetam toda a família.
Como exercício de originalidade, Jenkins sabe exatamente para onde levar seu roteiro sem parecer previsível ou buscar desfechos fáceis. As situações íntimas a que ela expõe seus personagens revelam muito mais que conflitos internos e lidam igualmente com dilemas de escolhas entre carreira e família. Pela maneira despojada que ela retrata o cotidiano de um casal em crise, sua sensibilidade faz com que “Mais Uma Chance” seja um filme ao mesmo tempo pessoal, engraçado e de surpreendente delicadeza.