Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 29 de dezembro de 2018

Puro-Sangue (2018): perturbadora relação tóxica

Com excelentes atuações de Olivia Cooke e Anya Taylor-Joy, o primeiro filme de Cory Finley dá uma aula de construção de personagens. Em seu último papel no cinema, Anton Yelchin tem uma participação pequena, mas importante para o suspense.

Olivia Cooke e Anya Taylor-Joy são duas atrizes da nova geração que estão em plena ascensão. A primeira recebeu elogios pela série “Bates Motel“, enquanto a segunda fez excelentes trabalhos em “A Bruxa” e “Fragmentado“. A dupla protagoniza “Puro-Sangue“, um suspense com um toque de humor negro escrito e dirigido pelo estreante Cory Finley. Elas interpretam, respectivamente, Amanda, uma jovem sem propósitos que admite que nunca teve sentimentos, e Lily, uma adolescente que tenta transparecer seus problemas, mas que fica muito sensível quando contrariada. Dividida em capítulos, a trama se concentra na relação tóxica entre as adolescentes, que eram amigas na infância, se separaram por um longo tempo e se reencontraram em condições completamente divergentes.

Com este retorno, encontram nas diferenças a possibilidade de ter alguém para confiar. Reconhecendo as mesmas dificuldades, ambas chegam a conclusão de que a única maneira de ter mais liberdade na vida é matando Mark (Paul Sparks, de “O Rei do Show”), o padrasto de Lily. Para demonstrar a disparidade na personalidade entre as duas, o diretor dá destaque ao olhar de cada uma em um abraço: Lily fecha os olhos e se entrega com um aperto forte. Amanda se mostra monótona, dando tapinhas nas costas e esperando acabar logo aquele contato físico, como uma convenção social obrigatória.

Morando em uma mansão e bancada pelo padrasto, a garota demonstra desconforto em todos os ambientes em que estão juntos. Ela desenvolve ódio por tudo que o homem faz, seja tendo razão em alguns momentos, ou apenas mostrando sinais de uma menina mimada demais em outros. Para as adolescentes, cometer o crime de assassinato passa a ser uma simples solução de um problema.

Em seu último papel no cinema, Anton Yelchin (“Star Trek: Sem Fronteiras), falecido em 2016, interpreta Tim em “Puro-Sangue”, um traficante acusado de estupro de menor. Apesar de ter pouco tempo em cena, sua participação é de vital importância para o espectador entender mais sobre a índole das protagonistas. Com o contraste da personalidade de Tim, fica ainda mais incompreensível saber quem é confiável nessa história.

Finley enquadra as meninas sempre uma de frente para a outra, colocando as duas em combate em cada diálogo. O diretor abusa também dos planos detalhe nos olhos dos personagens e de planos sequência, causando a impressão de que há algo malicioso acontecendo e que nada em tela é apenas preto ou branco. A montagem, entretanto, é lenta demais. Mesmo com cerca de 1h30 de duração, fica a impressão de que a história segue muito devagar.

“Puro-Sangue” é uma excelente experiência de construção de personagens, com ótimas atuações de Cooke e Taylor-Joy. Por meio da uma história violenta, Finley consegue incluir debates sobre ego, a superproteção dos pais e o impacto da falta de empatia.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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