Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de dezembro de 2018

Chá com as Damas (2018): confissões e memórias de quatro grandes mulheres

Íntimas conversas entre Judi Dench, Eileen Atkins, Joan Plowright e Maggie Smith numa aconchegante casa de campo se tornam um documentário acessível a todos os fãs e interessados na história dessas honrosas atrizes.

Chá com as Damas” não pretende ser muito mais do que um simples papo entre amigas. O documentário de Roger Michell (“Um Lugar Chamado Notting Hill”) reúne quatro senhoras numa casa de campo para conversarem sobre suas memórias e experiências. O diferencial é que se trata de algumas das mais brilhantes atrizes da história e que possuem algo a mais em comum além da longa carreira: a condecoração do título honorário pelo império britânico. Todas octogenárias, as Dames Eileen Atkins (“Cold Mountain”), Joan Plowright (“Um Sonho de Primavera”), Judi Dench (“007 – Operação Skyfall”) e Maggie Smith (“Assassinato em Gosford Park”) compartilham histórias íntimas sobre suas trajetórias no teatro, na televisão e no cinema, e com direito a brindes de champanhe no lugar do chá.

O documentário abre com as quatro experientes artistas aquecendo a voz para a gravação do bate-papo no interior da Inglaterra. O cenário da casa de campo é familiar para as atrizes, pois é onde Joan vivia com o falecido ator e marido Lawrence Olivier. A equipe de produção enche o lugar de profissionais não tão ocultados pela câmera e assim o aspecto espontâneo e de improvisação fica marcado no filme, que por sua vez não procura excluir as interações das Damas com Roger e os técnicos fora dos quadros.

A afabilidade esperada transparece tão logo começam a compartilhar como se conheceram e o que faziam antes de iniciar a vida no teatro. Nada melhor que a memória de uma para refrescar as lembranças da outra sobre as primeiras lições e anedotas sobre como começaram a carreira. É claro que o documentário não se satisfaz somente com os relatos. Vídeos de apresentações, trechos de entrevistas e fotos do passado artístico também estão presentes para ilustrar a história das Damas. Não é, entretanto, uma tentativa de levantar quatro biografias num só filme. A didática cronológica é só uma maneira simples de conduzir as conversas, mas com toda a liberdade para as mulheres pautarem assuntos e confissões como bem entendem ao longo da obra.

O amor pelos palcos e o sucesso nas carreiras não resumem tudo que as senhoras têm em comum. Suas relações com grandes atores e diretores do teatro, com as inseguranças em torno da beleza e o papel de Cleópatra, com as distintas vozes e adaptações de Shakespeare e com o medo comum, ao mesmo tempo paralisante e estimulante, quase sempre presente durante o caminho para as peças e nos sets de filmagem, são só alguns dos elos que fazem com que as atrizes se identifiquem umas com as outras e mantenham tão longa amizade.

Apesar de todas também seguirem carreiras no cinema, Maggie e Judi são as mais famosas ao público fora do Reino Unido por terem participado de grandes franquias blockbusters. É natural que a atenção esteja mais voltada a elas, mas o documentário divide bem o tempo e, como as quatro são participativas, qualquer destaque é imperceptível. Se há algum, é porque as eternas M, a chefe de James Bond, e a professora Minerva McGonagall de Hogwarts tratam a velhice com menos romantismo (e um tiquinho de mau humor próximo ao final do dia das gravações). Há ótimos lances em que Smith comenta sobre não ver o seu trabalho pronto na série “Downton Abbey” e se irrita “como uma dama” com o fotógrafo da produção. Já Dench não é tão polida ao contar sobre como foi tratada mal por um jovem paramédico após ser picada por uma vespa nas nádegas e mandou o rapaz “para aquele lugar”.

“Chá com as Damas” é um documentário leve e despretensioso, que tenta mostrar um pouco da história das atrizes num estilo “elas por elas” sem se preocupar com grandes menções ou homenagens. Dessa forma, Roger Michell consegue autênticos momentos que mexem com uma certa introspecção emotiva quando passam por lembranças e assuntos delicados, mas sempre com muito respeito para não provocar desconforto às senhoras. Muitos nomes são apresentados sem introdução, exatamente como numa conversa normal entre pessoas que já se conhecem, então esse aspecto pode alienar alguns espectadores que não conhecem ou não se interessam tanto sobre os cenários teatral e televisivo britânicos. Porém, a proposta de interação livre e sincera entre as Damas entrega confissões memoráveis sobre a intimidade e a carreira dessas grandes mulheres.

William Sousa
@williamsousa

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