Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Aquaman (2018): o filme que a DC precisava?

O longa é uma mudança real nos paradigmas apresentados pelo estúdio até hoje. Mas o caminho que ele decidiu seguir será o correto?

O Universo DC pode ser definido ultimamente como uma fagulha de esperança acesa. Filme após filme, entre erros e acertos, sempre ficava aquela sensação de que poderia ser melhor, embora o universo aparentasse estar no caminho certo. Uma sensação estranha, afinal, depois de tantos longas, essa empreitada já deveria ter chegado em algum lugar significativo. Dito isto, é curioso notar que “Aquaman“, como um bom personagem dos mares, despejou água nessa fagulha. Se isso foi bom ou ruim, só depende de como cada espectador absorverá a mensagem. Mas a verdade é: um novo rumo nesse universo foi tomado a partir de agora.

Ao mostrar a ascensão do protagonista ao posto de Rei dos Mares, a DC abraçou de vez uma pauta à qual teimava em resistir: os fãs de filmes de herói buscam diversão leve. E não entenda mal, pois uma obra leve não é o mesmo que uma produção rasa ou fraca. É apenas uma forma de dizer que o espectador quer ver algo visualmente bonito, narrativamente agradável e, claro, com ação e humor empolgantes e de fácil digestão. Essa é exatamente a demanda que James Wan (“Invocação do Mal 2”) busca atender.

Simplicidade é, de fato, o retrato de “Aquaman”. A história gira em torno de duas vias – ou dois vilões: o Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II, “O Rei do Show”) buscando vingança pela negligência do personagem principal em salvar o seu pai; e o Rei Orm (Patrick Wilson, “A Freira”), meio-irmão do protagonista, que organiza um grande ataque contra a terra seca enquanto tenta impedir Arthur Curry de tomar seu lugar de direito no trono de Atlântida. O que interliga estas duas subtramas é a busca pelo tridente do rei Atlan, que trará grandes poderes para o portador merecedor, tornando-o Mestre dos Oceanos e, de quebra, possibilitando a unificação dos reinos dos mares.

Assim como todo filme bom, mas com defeitos (para não chamar de “filme da Marvel”), “Aquaman” também possui pontos que incomodam bastante. Um dos que chamam a atenção de cara já vem sendo recorrente no Universo DC: os efeitos especiais. Além do rejuvenescimento estranhíssimo e, porque não, “spoilerento” da rainha Atlanna (Nicole Kidman, “O Estranho que Nós Amamos”), vários efeitos do primeiro ato beiram ao tosco. Porém, é válido dizer que o visual melhora muito no decorrer do filme, com direito a belíssimos quadros de Wan, que tanto homenageiam as HQs quanto surpreendem por sua paleta de cores variada (circunstância que pode decepcionar um pouco no final).

Essa espécie de linha tênue em que caminha o filme, com direito a acertos e erros dentro dos mesmos aspectos, é bem peculiar. Enquanto o diretor empolga bastante com as primeiras sequências de luta, os seus movimentos de câmera se repetem em praticamente todas as cenas de ação, sempre emulando a fórmula consagrada pelo game “Batman: Arkham Knight” de girar ao redor do que é relevante em tela. Aliás, a cartilha de direção de Wan se mostra bastante limitada, pois até a fórmula de revelar personagens pegando o público de surpresa fica previsível por ocorrer várias vezes.

Atuação também é algo a se questionar. Carismático, apesar de aparentar estar apenas interpretando a si mesmo, Jason Momoa (“Liga da  Justiça”) convence como Aquaman. Ele consegue manter o tom divertido por todo o longa, mesmo quando o roteiro torna algumas cenas sérias demais sem necessidade. Porém, a química com Amber Heard (“A Garota Dinamarquesa”) – esta bem abaixo do esperado – deixa muito a desejar, transparecendo uma relação que aparentemente existe apenas para inserir o romance tão necessário em filmes que seguem essa fórmula. E falando em não encaixar, o que dizer do Arraia Negra, que consegue a proeza de não acrescentar, muito menos fazer alguma falta na trama, mesmo com um arco – bem aquém do desejável, por sinal – só para ele? O pouco tempo de tela do vilão é pessimamente aproveitado e não é o suficiente para desenvolver qualquer sentimento pelo personagem, tanto pela ação quanto pela motivação dele. A preferência de Wan por games como referência na hora da ação também se vê aqui, com o Arraia aparentando ser apenas mais um lacaio descartável e sem propósito no caminho do herói até o chefão final.

Apesar de tudo, quando a obra caminha pelo lado certo da corda, ele agrada muito. É difícil não se contagiar com a ação desenfreada do ato final, mesmo já sendo esperado algo assim em filmes de herói. Além disso, o visual e as referências aos quadrinhos são admiráveis e, ao mesmo tempo, corajosas, pois era difícil imaginar algumas decisões tomadas apenas em HQs e desenhos animados se repetirem aqui. Mérito para a produção que, diferente de tudo visto até então desde “Homem de Aço”, faz questão de deixar claro que não se leva a sério.

Essa é a grande questão aqui. A DC é conhecida (e muitas vezes defendida) pelo público por trazer tons sérios e uma âncora na realidade que os filmes da Marvel dificilmente apresentariam. Esta característica, até então o grande diferencial do estúdio, foi completamente esquecida em “Aquaman”. O longa é simples, direto e, mesmo com problemas, feito exclusivamente para agradar o grande público. Fugindo de tudo que vinha sendo apresentado anteriormente, a obra marca um (novo) início para o Universo DC, rebatizado de Mundos da DC e desta vez bem mais próximo da fórmula da concorrente, especialmente no quesito não se levar a sério. Por isso, é fundamental o espectador assisti-lo com a mesma leveza e despretensão proposta na tela, fazendo assim um grande filme emergir. Em caso de falta da suspensão de descrença e apego por detalhes, só se verá uma grande decepção no ar – ou na água.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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