Animação oferece um olhar criativo e muito alegre sobre a lenda do Pé Grande, porém se perde na ambição de suas mensagens.
Existem filmes animados que estão aí somente para animar. Outros, além do divertimento, trazem em seus roteiros discussões relevantes independente da idade, o que fez com que esse gênero, de uns tempos pra cá, tenha despertado o interesse das crianças e dos pais que as levam no cinema. No fim das contas, buscamos o entretenimento. No entanto, se uma mensagem bonita e bem embasada acompanhar o passeio, melhor ainda. “PéPequeno”, produção da Warner Bros. Animation, tem todos os ingredientes para agradar a criançada: é alegre, tem sequências musicais acessíveis, um protagonista grandão e fofinho e uma mensagem bonitinha, mas que pode soar forçada demais até mesmo para os pais.
O longa vem com a proposta de ser o tipo de filme que, por trás de toda sua pureza e acessibilidade, te fará refletir: conta a história de uma escondida vila de Yetis que vive sobre a “gerência” do Guardião das Pedras (Common, “Fúria em Alto Mar”), que afirma que elas são mandamentos a serem seguidos pelos moradores de lá. Só que num belo dia, o yeti Migo (Channing Tatum, “Kingsman: O Círculo Dourado”) se depara com Percy (James Corden, “Oito Mulheres e Um Segredo”), um apresentador decadente de um canal animal em busca do Pé Grande, o que logo provoca um grande conflito, gerando diversas perguntas sobre a existência desse ser, desencorajada pelos ensinamentos do Guardião.
Isso desencadeia uma série de perguntas acerca dos mandamentos da vila e um debate sobre quem seria o verdadeiro monstro da história, porém, a maneira como deseja entregar sua carta de repúdio ao preconceito e ausência de questionamentos perante uma doutrina em vigor desde os primórdios, soa, por vezes, exagerada. Além disso, o roteiro escrito por Karey Kirkpatrick (“Os Smurfs 2”) e Clare Sera (“Juntos e Misturados”) aborda outra temática um tanto quanto espinhosa. O personagem Percy trama um plano para enganar seu público, o que acende o alerta para falsos apresentadores que forjam seus encontros com os animais e cenas de sobrevivência, apelando para o sensacionalismo e o entretenimento ao invés de transmitir a verdade.
Se formos analisar, o público verá que a narrativa torna as coisas muito mais complexas para um sessão que poderia ser mais leve e muito mais divertida. Apesar do argumento não poupar ninguém de sua dose elevada de moral, o entretenimento é garantido, já que as músicas, por exemplo, ainda que demonstrem ambição em transmitir ensinamentos profundos, atingem a maioria das crianças com sua euforia superficial e suas figuras peludas empolgadas e saltitantes. A produção é radiante, como pede o manual. Do ponto de vista do design de produção, entrega algo simples e bem eficaz. Nada diferente do que a maioria faz atualmente.
O problema é quando sente que precisa elevar o tom de preocupação através dos diálogos. Aí, o faz sem rodeios. Ainda que educar possa fazer parte da ideia, por vezes o filme esquece que seu público é composto em grande parte por crianças, e nem todas elas estão aptas a assimilar um debate capaz de constranger até mesmo os adultos. Impulsionado por uma premissa singular, “PéPequeno” consegue satisfazer com sua narrativa “para cima!”, mas sua comunicação desequilibrada, alternada entre o pateta e o sensato, é sentida, e a obra desperdiça uma boa oportunidade de ser mais convincente e agradável.