Spielberg leva às trincheiras da Segunda Guerra Mundial os seus melhores homens e entrega uma vitória inquestionável.
Na história de “O Resgate do Soldado Ryan“, de Steven Spielberg (“Jogador Nº 1”), o capitão Miller das forças armadas norte-americanas (Tom Hanks, de “The Post: A Guerra Secreta”) se vê obrigado a selecionar uma equipe para ir em busca de um único soldado. O resgate de Ryan foi ordenado após a morte de seus três irmãos na guerra, e emitido por um general com o intuito de dispensá-lo do serviço militar. Mas, é claro, se tudo tivesse sido fácil, não haveria um filme. Acontece que ninguém sabe o paradeiro de Ryan, a qual companhia ele pode ter se unido, ou se ele ainda está, de fato, vivo. Ainda assim, o capitão Miller reúne oito de seus melhores homens, dispostos a colocar suas vidas em risco no território ocupado pelos exércitos inimigos.
A meia hora inicial é um feito cinematográfico. Spielberg reproduziu de forma visceral e realista uma das mais importantes batalhas da Segunda Guerra Mundial, realizada na Normandia, em uma França tomada pelos nazistas. As cenas de guerra indicam que nem todas as mortes são heroicas, os planos dificilmente saem como previstos e treinamento algum é capaz de preparar os soldados para a confusão destes cenários. O método de gravação, com takes mais longos do que o “padrão” para estas cenas, e a câmera tremida transportam o público para o meio da batalha.
Quase um mês inteiro das gravações foi dedicado para esta introdução, que expõe os horrores da guerra com corpos mutilados e pedidos de socorro delirantes, algo visto de soldados estadunidenses, mas nunca de soldados nazistas, dado o ponto de vista escolhido. As imagens são tidas como uma das melhores representações – senão a melhor – de como seriam os campos de batalha reais, justificando totalmente o tempo de tela dedicado a elas. O próprio Spielberg foi para a linha de frente e conduziu câmeras durante as gravações. É preciso sentir este início para valorizar o que vem a seguir.
O capitão Miller sobreviveu por pouco ao desembarque na França e, antes mesmo de se recompor, já teve de se apresentar para a missão do título do filme. Ele então recruta seu pessoal de confiança. Todos são jovens, à exceção do sargento Horvath (Tom Sizemore, de“A Travessia”), que serve como o fiel escudeiro e conselheiro do capitão Miller, e todos são conscientes de que irão tirar vidas com suas armas, menos o cabo Upham (Jeremy Davies, de “A Casa que Jack Construiu”), responsável por criar um excelente contraste com o grupo e trazer reflexões a respeito de até onde uma guerra pode fazer você chegar.
O elenco inteiro está muito bem. O filme faz algo semelhante ao outro clássico de guerra “Apocalypse Now” e apresenta uma série de atores, veteranos e calouros (que viriam a ter carreiras de sucesso posteriormente). O soldado Caparzo é vivido por Vin Diesel (da franquia “Velozes e Furiosos”), e o sargento Hill é encarnado por Paul Giamatti (“Straight Outta Compton”) para citar apenas dois. E há Tom Hanks entregando uma de suas melhores performances. É possível sentir o peso das decisões que ele precisa tomar por sua equipe ao longo da busca por Ryan, bem como reconhecer os momentos pelos quais ele e seus soldados passaram que poderiam provocar um trauma na vida de qualquer um.
Fosse outro a interpretar o líder Miller, este seria o trabalho de sua carreira, mas como quem o fez foi Tom Hanks, a atuação disputa o pódio com outros trabalhos igualmente memoráveis, como em “Forrest Gump: O Contador de Histórias”, “À Espera de um Milagre” e “Náufrago”. Hanks desenvolveu uma carreira que o coloca ao lado dos maiores atores de Hollywood, representando o homem comum com o qual quase todos podem se identificar, algo semelhante ao que fez o astro James Stewart (“A Felicidade Não Se Compra”) nos anos 1940 e 50. Ele consegue entregar a discursos que soariam piegas ou cafonas, como alguns de “O Resgate do Soldado Ryan”, uma verdade quase documental. É difícil acreditar que seus personagens não existiram no mundo real.
Enquanto os combatentes caminham pela França destruída, a iluminação e fotografia de Janusz Kaminski (“Ponte dos Espiões”) dá conta de captá-los não só como corpos presentes nas paisagens destruídas, mas como parte delas. É uma construção visual que apresenta como aqueles homens estão internamente e o que eles sentem e pensam pelo cenário no qual estão inseridos – afinal, uma guerra destrói casas, e igrejas tanto quanto destrói as pessoas que estão no meio delas.
A obra carrega um ar sombrio e desolador, e isso é ressaltado pelos tons de cinza, verde e azul vistos em toda a projeção. Há cenas com relvas e lugares pouco arborizados, mas a paz não tem vez, e estas são logo substituídas pelas mazelas da guerra, mostrando soldados feridos ou trocas de tiros e explosões que não custam a acontecer. Existe também a brancura do céu, que de tão “estourada” parece colocar o filme como um sonho ou pesadelo daquelas pessoas.
Muitas outras análises foram e podem ainda ser feitas de “O Resgate do Soldado Ryan”. Nenhuma delas, contudo, é capaz de tirar os méritos inquestionáveis da direção de Spielberg, da atuação de Hanks ou da fotografia de Kaminski. Lançado em 1998 e tendo influenciado inúmeras obras dentro e fora dos cinemas desde então, este é um filme completo, que consegue ir além do impacto inicial e entrega emoção, simbolismo e técnica impressionantes. Uma produção que sobreviveu ao tempo e alçou seu posto inquestionável de clássico da sétima arte.