Apesar de um terceiro ato problemático, o filme ainda é uma obra interessante que retrata um assunto polêmico sem julgamentos.
Camgirls são garotas que fazem shows eróticos online, ao vivo e pela webcam, geralmente em troca de dinheiro ou presentes. É um segmento da pornografia que cresce a cada dia e atualmente movimenta bilhões de dólares no mundo todo. É desse universo que vem Isa Mazzei, roteirista de “Cam“. Vinda de uma carreira de dois anos na profissão, ela se baseou em sua própria experiência para escrever o filme, que seu amigo de longa data, Daniel Goldhaber dirigiu. O curioso na situação é que ela escolheu o gênero horror para retratar a vida de um camgirl.
No filme, Alice (Madeline Brewer, da série “O Conto da Aia”) é uma jovem comum que assume um alter ego na internet. Ela se torna Lola, um camgirl de popularidade crescente que tem a ambição de estar no top 50 do site em que trabalha. Após um show em conjunto com uma amiga, ela percebe que perdeu o acesso a seu canal e outra pessoa, idêntica a ela, assumiu o controle. Então embarcamos em uma jornada de horror e sci-fi que mostra a jovem buscando uma maneira de lidar com uma espécie de clone digital, que habita uma casa igualzinha a sua, fazendo transmissões ao vivo.
Mas antes, acompanhamos a vida de Alice na profissão. O filme faz isso muito bem, nos mostrando sua rotina trabalhando com erotismo sem uma glamourização desnecessária ou um julgamento moralizador. A câmera, em grande parte do tempo, age como observador imparcial, apenas registrando, mas muitas vezes também humanizando a personagem, mostrando como ela age com sua mãe e irmão menor, por exemplo. O contraste entre a vida online da protagonista como Lola e sua vida real como Alice é o fator mais interessante do primeiro ato da obra, sendo visível até mesmo uma diferença clara na iluminação e direção de arte dos dois universos. Tudo isso é conduzido por uma performance incrível de Madeline Brewer.
Na virada para o segundo ato, o filme se torna menos consistente. O desenvolvimento de alguns aspectos da história é deixado de lado ou feito de maneira pobre. O conflito de Alice com sua família, além de sua respectiva resolução, são repentinos e pouco explorados, assim como uma rivalidade com outra camgirl estabelecida no início do longa. Ao menos, o roteiro é bem-sucedido ao desenvolver a relação de Alice/Lola com seus clientes mais fiéis.
Mas é na conclusão que a obra se perde de vez. O filme não se decide entre formar uma alegoria com a despersonalização de uma pessoa que precisa ter uma personalidade diferente na internet ou investir em uma explicação mais concreta, mesmo que sobrenatural, para aquilo que está acontecendo. Apenas nos entrega um final aberto, que por si só não é uma falha, mas nesse caso não satisfaz e nem conclui as questões levantadas anteriormente.
Apesar disso, “Cam” ainda sim é um filme que merece ser visto. Não é o horror clássico que tira o sono do espectador, mas mostra um mundo interessante que não vemos com frequência. Tem falhas claras, mas também virtudes o suficiente para ficarmos de olho nas carreiras do diretor e da roteirista, além de uma ótima atuação de uma atriz ainda pouco conhecida.