Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Um Homem Comum (2017): derrota na guerra pode não ser a maior perda para um homem

Um criminoso de guerra assombrado pelo passado e cansado da solidão, acredita que enfrentar as consequências de suas ações pode ser a solução, mesmo que isso custe sua vida.

Há quem diga que apenas quem perde a guerra é considerado criminoso, ainda mais quando quem a vence precisa apontar um vilão. Mas, e quando esse “vilão” aparenta ser apenas um homem simples, que acredita ter lutado pelos direitos e liberdade de seu povo? Quando ouvimos falar de uma pessoa acusada por diversos crimes de guerra – incluindo até genocídio -, dificilmente paramos para imaginar como é o lado mais humano deste homem, um lado que sofreu por ter lutado pela liberdade de seu povo e acabou ganhando todos os títulos imagináveis que um vilão pode ter, se vendo obrigado a ficar escondido e longe de todos que ama. É isto que vemos em “Um Homem Comum

Escrito, dirigido e produzido por Brad Silberling (“O Elo Perdido”), o filme apresenta uma trama inteligente e sutil sobre a vida e o drama de um general da extinta Iugoslávia, interpretado por Ben Kingsley (“Operação Final”). O ator mostra mais uma vez seu grande talento e consegue transmitir muito bem a insatisfação do ex-militar que já foi tratado como herói por parte de seu país e que agora vive mudando de endereço para fugir das autoridades internacionais, sendo obrigado a conviver com pessoas que não conhece e aumentando ainda mais o sentimento de solidão que o assola. Para piorar, o cerco em volta do general está se fechando, e uma recompensa milionária foi posta sobre sua cabeça. Com isso seus aliados se veem obrigados a mudar a localização de seu protegido com uma frequência ainda maior, atividade que é realizada por seu indesejado “guarda-costas” Miro (Peter Serafinowicz, de “Despedida em Grande Estilo”).

Entediado por conviver com pessoas estranhas, o general se surpreende com a aparição de Tanja (Hera Hilmar, da série “Os Demônios de Da Vinci”) sua nova empregada, que estranhamente não sabe desempenhar as tarefas de seu trabalho. Cheia de mistérios, a tímida camareira guarda consigo um grande trauma e precisa lidar com os abusos morais de seu novo patrão para ter seu sustento. Enquanto isso, o militar grosseiro começa a desenvolver um forte interesse pela vida de sua criada, e ela aos poucos também começa a se sentir mais à vontade para compartilhar suas experiências, criando assim um vínculo de amizade e cumplicidade entre os dois.

Silberling entrega uma ótima narrativa, com poucas cenas de ação e se aprofundando mais na história do amargurado general. Filmado em Belgrado, na Sérvia, o longa exibe de forma assertiva as dificuldades e a divisão ideológica de um pais que sofreu com conflitos étnicos por décadas. Um simples passeio pelo subúrbio deixa claro o ambiente hostil da região, onde através de grafites e pichações é possível captar os sentimentos de um povo oprimido. A equipe de fotografia aproveitou muito bem o ambiente adverso do subúrbio e a tranquilidade do campo, para capturar imagens de encher os olhos. Já a trilha sonora traz um pouco da cultura regional de forma bela e encantadora, tornando possível imergir o telespectador na trama.

Para alguns, esse pode ser um filme lento e sem muita ação. Mas para outros pode ser uma forma de entender melhor a mente de quem esteve na guerra e tomou atitudes repudiantes sem esboçar nenhum sentimento de remorso, entregando um panorama diferente da visão que as mídias divulgam, principalmente para quem acompanhou os fatos das guerras que ocorreram na região. O longa não conta uma história simples, aqui os detalhes fazem a diferença e aos poucos os dramas e segredos de cada personagem são revelados conforme a confiança entre eles vai aumentando, tocando fundo nas feridas do passado e mostrando as consequências que uma ordem não cumprida pode trazer.

Diego Souza
@diegoosouz

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