Longa conquista por sua impressionante protagonista e por ser baseado numa história real, mas quase afunda por causa de equívocos no roteiro e na montagem.
Filmes sobre personagens perdidos no mar têm incríveis dificuldades em sua produção. A logística é um pesadelo, o clima pode simplesmente não ser o ideal e dias inteiros de filmagens serem desperdiçados, e é difícil de surpreender o espectador, que já espera de antemão alguns elementos presentes em histórias de sobrevivência: desidratação, falta de alimento, alucinações, desespero, desesperança e, por fim, incrível resiliência daqueles que vivem para contar a história. Contos como o de “Vidas à Deriva” sempre foram fontes de inspiração, principalmente ao contar com o slogan “baseado em uma história real”. Pena que essa fonte acaba vindo só do fato de ter realmente acontecido, ao invés de vir de qualidade cinematográfica.
Shailene Woodley (“Snowden – Herói ou Traidor”) interpreta Tami Oldham, que em 1983 zarpou com o amado Richard Sharp (Sam Claflin, de “A Última Jornada”) num veleiro do Taiti com destino à San Diego, e foram pegos por um furacão que os deixou à deriva por mais de um mês. Tami sobreviveu ao suplício e escreveu o livro no qual o longa é baseado.
A primeira cena pega de surpresa, pois já começa após o desastre, com a protagonista isolada no barco procurando por Richard. Isso inicia uma montagem que fica intercalando momentos de tentativas de sobrevivência do casal com flashbacks que vão desde quando se conhecem até o dia do furacão. Foi uma decisão que, infelizmente, se provou equivocada. A tensão pretendida pela história não tem a chance de ser desenvolvida porque ainda não conhecemos os amantes o suficiente para nos conectarmos com eles. Não há tempo de criar empatia com a aflição de Tami. Conforme o filme se desenrola e aí sim se conhece mais sobre aquelas pessoas, a tensão começa a ser construída nas cenas no barco, mas só para ser subitamente largada pelo fato do roteiro nos levar para momentos defeituosos de ternura.
As situações nos flashbacks não funcionam muito bem. A química entre os atores não encaixa e há momentos e diálogos que, como não houve tempo do público criar um relacionamento com os personagens, são apenas piegas. A atuação mediana de Claflin não ajuda e fica mais a sensação de que precisamos nos importar com eles apenas porque a história diz que sim, não porque estamos investidos em suas emoções.
É uma pena, porque há algumas cenas que têm potencial não só para explorar a psique do casal principal, mas também discutir temas que amadureceriam o filme. Esses traumas nas relações com seus familiares poderiam dizer muito sobre os dois estarem viajando o mundo e estarem longe de suas casas, mas esses elementos interessantes acabam preteridos e ofuscados por cenas românticas sem sal e entediantes.
As cenas no mar, entretanto, são ótimas. O diretor Baltasar Kormákur (“Evereste”) alterna entre planos abertos que ilustram um colossal isolamento, e imagens dentro da água junto com a protagonista, ora incomodando, ora mostrando sua luta em superar dificuldades. De negativo, fica apenas a cena da tempestade em si, com uma fotografia que esconde muito claramente os efeitos especiais de ondas gigantes, tirando a tensão do momento.
Estando em tela na grande maioria do tempo, o longa depende muito de Woodley, que também o produziu. E se há um elemento que funciona muito bem, é a atriz principal. Ela estabelece a única conexão que funciona com o público desde o início: o desespero. Dá para senti-lo em cada palavra, choro e gemido dela, carregando o filme nas costas mesmo quando contracena com o insosso Claflin. Woodley supera a estrutura equivocada do roteiro e entrega uma personagem sólida passando por uma situação traumática. É seu comprometimento com a jornada de sua personagem que faz a obra, no fim das contas, valer a pena.
“Vidas à Deriva” é um filme que interessa e prende só porque é baseado numa história real, que é, de fato, inspiradora. Entretanto, um roteiro falho em criar um relacionamento intenso do casal principal e uma montagem que desfavorece a sensação de tensão quase naufragam a obra, que só se mantém respirando por ter uma atriz que faz os trechos de sobrevivência ganharem vida com sua performance.