Continuação da saga do magizoologista Newt Scamander mantém a sensação do primeiro longa de que estamos assistindo a reprodução visual de longos capítulos literários, com vazios narrativos difíceis de ignorar. Nem o easter egg salva.
Encantar as pessoas com a escrita é algo do qual a autora J. K. Rowling deveria se orgulhar todos os dias. A saga do bruxo Harry Potter atraiu gerações para o mundo dos livros, que depois gerou milhões de espectadores para as adaptações cinematográficas deste mundo mágico. Mas os filmes de Potter eram exatamente isso: adaptações de uma obra literária. E Rowling é uma autora que, na série de filmes de “Animais Fantásticos”, atua como única roteirista de uma história ainda inédita. É aí que começam os problemas de “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald”.
A continuação de “Animais Fantásticos e Onde Habitam” (2016) começa definindo sua missão principal: o poderoso bruxo Gerardo Grindelwald (Johnny Depp, “Assassinato no Expresso do Oriente”) escapou da prisão, e o magizoologista Newt Scamander (Eddie Redmayne, “A Garota Dinamarquesa”) é convocado pelo grande Alvo Dumbledore (Jude Law, “Rei Arthur: A Lenda da Espada”) para impedir que o plano do rival se concretize: Grindelwald quer que bruxos puro-sangue sejam uma raça soberana, inclusive acima do mundo não-bruxo. Para isso, o vilão está atrás dos poderes de Credence Barebone (Ezra Miller, “Liga da Justiça”), que se escondeu em Paris após os eventos do primeiro filme e busca conhecer seu passado.
“Os Crimes de Grindelwald” foca em captar a atenção pelo visual e o sensorial. O filme, que se estende por longas duas horas e 13 minutos, é repleto de efeitos especiais e momentos propositalmente nostálgicos para quem é familiarizado com o universo no qual a história faz parte – desde a trilha sonora até certos momentos da trama e easter eggs que estão lá para pegar os fãs de “Harry Potter” de jeito, algo que já era atiçado desde os trailers de divulgação. Mas a questão está em fazer um filme sobre o mundo bruxo muito voltado para quem já o conhece de longa data.
Rowling como roteirista ainda possui vícios de autora, que fazem tanto o primeiro quanto o segundo filme da saga parecerem arrastados, como se estivéssemos lendo, porém na tela. A sensação de que a história realmente não começa até o terceiro ato é latente na continuação, desperdiçando o potencial de personagens interessantes – até mesmo o próprio Credence, que deveria ser tão importante na narrativa deste longa. O roteiro de “Os Crimes de Grindelwald” parece a junção de vários capítulos de um livro que não passou pelo processo edição.
Johnny Depp, que atualmente encontra-se atolado de problemas na vida pessoal, conseguiu deixar de lado sua “persona Jack Sparrow” para entregar um vilão espelhado em líderes políticos traiçoeiros, com um discurso sedutor sobre sua causa que beira a eugenia, mas não a explicita. É uma atuação convincente e Grindelwald gera interesse em conhecê-lo melhor, mas o momento não chega. Sua relação com Dumbledore, apesar de ser referenciada, nunca é plenamente explicada – sabemos que ela será contada com mais detalhes nos próximos capítulos, mas tudo fica no campo da sugestão e do maniqueísmo de suas motivações.
A introdução de Nagini (Claudia Kim, “A Torre Negra”) no trailer foi uma revelação bombástica que ficou limitada somente à menção de seu nome, algo que não necessariamente surte efeito para quem não se lembra de seu papel no universo do menino que sobreviveu. A personagem em si mal tem função, mesmo sendo a acompanhante oficial de Credence em sua missão de descobrir suas origens.
Outros personagens, que inclusive guiaram o início da saga de Scamander, também só funcionam como figuras para preencher o espaço na tela e no roteiro. O conflito de interesses entre Queenie Goldstein (Alison Sudol, da série “Transparent”) e seu namorado não-bruxo, Jacob Kowalski (Dan Fogler, “Animais Fantásticos e Onde Habitam”) , pode se tornar um ponto da narrativa intrigante no futuro, mas bate de frente com o mesmo problema de Grindelwald vs. Dumbledore: aqui, soa insuficiente. Leta Lestrange (Zöe Kravitz, da série “Big Little Lies”) e Tina Goldstein (Katherine Waterson, “Alien: Covenant”) também são tão mal aproveitadas, que chega a dar pena, sendo usadas somente para definir o destino de outros personagens, principalmente os homens.
Talvez manter a franquia com o nome “Animais Fantásticos”, ou o fato de que a história será contada em cinco partes, não tenha sido uma decisão tão sensata. De um lado, o nome restringe os recursos que podem ser usados nos longas – é necessário ter bichos mágicos para o título ter sentido. Do outro lado, não representar esta trama em, por exemplo, três filmes, faz com que este começo tenha ares de tapa-buraco.
Para puristas que gostam de ver seus livros preferidos adaptados para o cinema, é quase uma constante ter de reclamar que o filme ignorou diversas partes das páginas escritas. Entretanto, “Os Crimes de Grindelwald” prova que os cortes são necessários para uma melhor fluidez narrativa. Esta continuação não deveria ser um livro adaptado e nem uma obra literária fielmente reproduzida na grande tela. A falta de edição desperdiça potencial e gera uma frustração, como se a experiência emocional completa do longa fosse limitada à mini referências específicas para fãs e plot twists no final que só empolgam em um primeiro momento, mas pouco contribuem para o filme em si – para a saga completa, são outros quinhentos, porém não deveria ser assim.