Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Pedro Coelho (2018): clima de Páscoa fora de época

A produção exibe uma atmosfera alegre com muitas possibilidades para brincar, no entanto, termina sendo convencional e sem muita emoção.

Aproveitando o sucesso do Urso Paddington, criação do britânico Michael Bond, que ganhou duas adaptações para o cinema, ambas dirigidas por Paul King (“As Aventuras de Paddington” e “Paddington 2”), outro conto britânico em que figura central é um animal ganha seu filme. Por fora, “Pedro Coelho” exibe a mesma composição estética apurada vista nos filmes do ursinho peruano. Por dentro, passa longe de ter a mesma qualidade. Sua linguagem visual é certeira, porém sua narrativa poderia ser muito mais interessante, assim como a vida de seu protagonista.

Baseado na obra literária “A História de Pedro Coelho”, escrita por Beatrix Potter (1866–1943), o longa conta a história do personagem título (James Corden, “PéPequeno”), um coelho rebelde que mora numa região no interior de Londres, e vive grandes aventuras com seus irmãos e amigos na tentativa de conseguir comida na farta horta do Seu Severino (Sam Neill, “O Passageiro”), um fazendeiro rabugento e bem avesso à coelhos. Durante uma das peripécias do grupo, o velho morre, mas seu sobrinho-neto, Thomas Severino (Domhnall Gleeson, “Star Wars: Os Últimos Jedi”) vem da cidade para colocar o jardim em ordem.

O design de produção com seus efeitos visuais e a criação tecnológica, principalmente no que diz respeito à família dos coelhos, é bem executado. Mas é o design de figurino, concebido com muita inteligência, que chama mais atenção. Para as crianças, as cores conferem mais vida e alegria a história, porém, para olhos mais treinados, desempenham um papel significante. Como nada no cinema é por acaso, o azul está lá para representar a solidão e frieza dos personagens, não à toa que quem o veste são Pedro, o “líder” dos coelhos, e Thomas, o “líder” da casa. Inimigos muito parecidos!

Enquanto isso, as cores mais leves, como, por exemplo, o rosa, o vermelho, o verde e o amarelo, são designadas para os personagens secundários e mais “tranquilos” da narrativa. Até mesmo o bege do coelho Benjamin, regularmente motivo de chacota por usar uma cor brega, tem uma explicação. A vestimenta , na verdade, revela sua falta de personalidade, já que ele não toma decisões e está sempre obedecendo as ordens de seu líder. O problema é que toda essa bela harmonia estética não vem acompanhada de um roteiro inventivo o bastante para entregar além do corriqueiro.

Embora seja uma narrativa ágil e com uma trilha sonora empolgante como deve ser, suas relações e conflitos não chegam a provocar o sentimento de emoção que outras do gênero são capazes de alcançar. O roteiro, escrito por Will Gluck (“Annie”) e Rob Lieber (“Goosebumps 2: Halloween Assombrado”), cria laços interessantes, mas não é engenhoso o bastante para desenvolvê-los com afeto, a ponto de fazer o público simpatizar, e como consequência, se enternecer. Elementos fundamentais para a conclusão da fábula.

Dirigido sem muita imaginação por Gluck, “Pedro Coelho” tem todos os ingredientes necessários para arrancar risos da criançada, mas esquece de quem as leva ao cinema. Nessa produção onde existe muita felicidade e alto astral, sempre fica a sensação de que seu potencial nunca é devidamente aproveitado. Onde tem alegria, falta emoção. Onde tem riso, falta coração. Um filme incompleto, que mesmo nada tendo a ver com Páscoa e ovos de chocolate, poderia ser definido como “aquele sentimento bom que só o clima de Páscoa proporciona – mas sem chocolate”.

Renato Caliman
@renato_caliman

Compartilhe