Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Legítimo Rei (Netflix, 2018): épico, mas sem majestade

Mesmo com protagonista apático e roteiro carente de coesão, as boas atuações e uma inspirada direção entregam um épico brutal e fiel à história da Escócia.

Hollywood e seus épicos históricos costumam render momentos incríveis para o público, que lota as salas de cinema em busca de obras com escopo gigantesco e boa dramatização de feitos vitais no passado do mundo. “Legítimo Rei” é a primeira tentativa da Netflix de trazer esse tipo de fascínio para seus assinantes.

No início do século XIV, Robert the Bruce (Chris Pine, de “Mulher-Maravilha”) jura lealdade ao rei Eduardo I da Inglaterra (Stephen Dillane, de “O Destino de uma Nação”) mesmo desgostoso da ideia, pois ainda que seja pretendente ao trono escocês, deve responder ao monarca. Logo ocorrem fatos que o levam a quebrar seu juramento e lutar pela independência de seu povo.

É difícil não pensar em “Coração Valente”, que também trata da independência da Escócia e tem o mesmo personagem. Entretanto, onde o clássico de Mel Gibson alterou muitos fatos para dar ênfase dramática a seu protagonista e suas mensagens de coragem e heroísmo, o longa dirigido por David Mackenzie (“A Qualquer Custo”) procurou ser mais fiel ao que, de fato, aconteceu. É possível assistir aos dois filmes em sequência e ter uma compreensão maior da situação política da época, e entender os eventos que levaram Robert a agir.

Como protagonista, Pine é apenas funcional, infelizmente. Falta personalidade a seu Robert, que passa por vários momentos profundamente pessoais que ficam sem o peso necessário tanto pela falta de carisma do ator quanto pelo roteiro falho em dar a atenção necessária a todas as tramas que cria.

Roteiro, aliás, é o grande problema. Foi escrito a dez mãos, e todas elas parecem querer levar os conflitos apresentados para lugares diferentes. Como resultado, há cenas desconexas e tramas mal desenvolvidas; não é um texto coeso. Isso misturado a um protagonista apático, não convida o público a torcer ou se importar muito com ele. Fica mais a sensação de estar aprendendo história do que a de estar emocionalmente investido na luta daquele rei. É curioso que, após a estreia no Festival Internacional de Cinema de Toronto, 20 minutos foram cortados, o que, segundo relatos, melhorou consideravelmente a qualidade da obra.

Apesar do fraco roteiro, o longa possui tantas outras boas qualidades e não falha em entreter. A direção de Mackenzie começa com um plano sequência de quase 10 minutos que chama a atenção. As cenas de luta são empolgantes e o diretor não hesita ao colocar a câmera no meio da batalha, levando aos olhos do espectador o sangue, a lama, o suor, a garra, a raiva e o desespero desse ambiente hostil e turbulento. As panorâmicas e planos abertos não só mostram as vastas viagens dos personagens como valorizam a belíssima fotografia de Barry Ackroyd (“Detroit em Rebelião”), com tomadas fantásticas da natureza escocesa e das construções medievais. Merecia uma tela de cinema.

A ambientação do filme é precisa e, além de acertar nos figurinos, é certeira ao ilustrar cidades sujas com uma mistura de bege e cinza; não há alegria. A obra é historicamente correta também ao não ter receio em ser violenta. Há sangue, membros decepados e órgãos expostos, mas essa brutalidade não é gratuita. Em tempos de guerra, a vida pode ser ceifada repentinamente e a apreensão é constante. O medo gerado é usado como ferramenta de negociação e/ou como maneira de impor poder. Tudo leva o espectador ao lugar dos personagens.

Há outros bons elementos que funcionam bem. Florence Pugh (“O Passageiro”) abraça sua personagem e gera um magnetismo em cena que prende o espectador, mesmo quando o roteiro não ajuda a criar a tensão necessária, chegando até mesmo a fechar um conflito na última cena de maneira apressada e amadora. Aaron Taylor-Johnson (“Animais Noturnos”) está surpreendentemente ótimo como o lunático James Douglas, e faz render mais um enredo que carece do peso que precisa ter.

“Legítimo Rei” falha em conectar o público a seus principais elementos, mas possui outros que tem êxito em entreter e entregar um épico violento com alto valor histórico. A direção de David Mackenzie dá vida a um roteiro fraco, que é também salvo por atuações precisas.

Bruno Passos
@passosnerds

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