Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Tau (Netflix, 2018): ficção científica superficial e esquecível

Incoerente desde o início, o filme é um exercício de mal desenvolvimento sem nenhuma inovação.

O início das trajetórias de Federico D’Alessandro e Alex Garland (“Aniquilação”) são muito similares até certo ponto. Os dois trabalharam em outras áreas do cinema por anos antes de se arriscarem assumindo a direção, ambos de um filme envolvendo inteligência artificial, e com grande parte do roteiro se passando dentro da casa de um gênio da tecnologia. As semelhanças, infelizmente, param por aí. Enquanto “Ex_Machina: Instinto Artificial”, de Garland, é inteligente e explora interessantes questões filosóficas, “Tau“, de D’Alessandro, é raso e pouco apelativo.

Nos primeiros minutos vemos Julia (Maika Monroe, “Corrente do Mal”), uma jovem que pratica pequenos furtos em baladas, ser sequestrada e aprisionada na cela futurista de um homem misterioso. Daí em diante é queda abaixo. O filme logo se perde ao preencher seu tempo com uma sequência de ação ruim e sem sentido, que introduz dois personagens apenas para imediatamente matá-los. Tudo isso para levar Julia a finalmente conhecer de perto seu sequestrador, Alex (Ed Skrein, “Deadpool”). É apenas nesse momento que também identificamos Tau (voz de Gary Oldman, “O Destino de Uma Nação”), uma inteligência artificial em fase de desenvolvimento, mas que é utilizada apenas como uma mistura de governanta virtual com máquina de matar.

Apesar de Tau ser supostamente uma das mais avançadas inteligência artificial do mundo, ela não possui nenhum conhecimento factual. Cabe a Julia, portanto, ensinar pequenas coisas a ela, enquanto Alex está trabalhando. Dessa maneira, ela tenta humanizar a máquina para que ela ajude-a a escapar. O desenvolvimento pobre da obra torna essas cenas ridículas, com Tau tendo questionamentos ingênuos e sem nenhuma profundidade. Monroe até tenta salvar o filme, mas sua personagem é plana e sem graça. Já Skrein não consegue manter por muito tempo a pose de gênio psicopata, tendo um comportamento incoerente, que serve apenas como atalho para o roteiro.

Em certos momentos, o argumento de Noga Landau (da série “Escola de Magia”) ameaça atracar em temas mais fortes, ao associar a relação de criador e criatura de Tau e Alex, com a problemática relação de Julia com seus pais. Mas isso nunca passa de uma sugestão, e o filme acaba focando nas tentativas de fuga dela, entre outros fatores menos interessantes e muitas vezes já explorados. A catástrofe chega em seu ápice com um final que beira ao gore e não satisfaz o menos exigente dos espectadores.

Antes de dirigir “Tau”, D’Alessandro passou grande parte de sua carreira no departamento de arte dos filmes da Marvel. O que leva a crer que pelo menos na parte visual seu longa iria se destacar. Mas falta frescor e inventividade no design futurista que a obra aspira ter. É o genérico de filmes B de ficção científica. A exceção aqui é a identidade visual do personagem-título, que possui um design elegante e agradável ao olhos. Além da fotografia de Larry King (“O Guarda”), com iluminação bem marcada e cenas contrastadas entre o azul e o laranja.

“Tau” segue à risca a cartilha da grande maioria dos filmes distribuídos pela Netflix: desinteressante, com toques de amadorismo e completamente passável. Seus poucos pontos positivos não valem o desperdício de 90 minutos, que poderiam ser gastos com um conteúdo melhor.

Peter Frontini
@peterfrontini

Compartilhe