Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A Garota na Teia de Aranha (2018): adaptação genérica e aquém da franquia

Sem conseguir estabelecer a própria identidade, nova adaptação da série "Millenium" não repete o patamar do trabalho de David Fincher.

A série “Millenium” conseguiu, ao longo da última década, tornar-se uma franquia literária de alcance mundial, tendo vendido mais de 80 milhões de cópias ao redor do globo. As obras ganharam ainda mais projeção ao serem adaptadas para o cinema, tanto em sua versão sueca, com longas que adaptaram a trilogia original, quanto em sua versão hollywoodiana. Esta última, que adapta o primeiro volume, “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”, foi estrelada por Daniel Craig (“Logan Lucky: Roubo em Família”) e Rooney Mara (“Maria Madalena”), e comandada por David Fincher (“A Garota Exemplar”). O filme foi bem recebido pelo público e pela crítica, e acabou sendo indicado para cinco categorias do Oscar – tendo levado uma estatueta para casa.

Apesar da boa recepção, uma continuação nunca saiu do papel. Pensando dar novos ares para a franquia, a Sony optou por repaginar os nomes presentes envolvidos no projeto, tanto em frente quanto atrás das câmeras. “A Garota na Teia de Aranha” adapta o quarto livro da série, que foi escrito pelo jornalista sueco David Lagercrantz após o falecimento de Stieg Larsson, responsável pelos três primeiros exemplares. Na nova trama, Lisbeth Salander (interpretada agora por Claire Foy, de “O Primeiro Homem”) encontra-se em meio a uma conspiração de espionagem internacional, na qual um programa de computador, capaz de controlar o arsenal nuclear de diversos países, passa a ser alvo de interesse de diferentes grupos. Com o intuito de evitar que a ferramenta caia em mãos erradas, a hacker precisará contar com a ajuda, mais uma vez, do jornalista Mikael Blomkvist (Sverrir Gudnason, de “Borg vs McEnroe”), em um enredo que conduzirá Lisbeth a revisitar os fantasmas de seu próprio passado.

Apesar de tentar se distanciar do material que já havia sido produzido anteriormente, não há como olhar para o novo longa sem fazer comparações com os trabalhos antecessores – sobretudo a versão de Fincher, mais recente. Neste sentido, constata-se que “A Garota na Teia de Aranha” falha em manter o padrão de vários elementos que ajudaram na consagração da versão de 2011. A direção do uruguaio Fede Alvarez (do ótimo “O Homem nas Trevas”) está longe de ser o problema principal, uma vez que ele se esforça para colocar sua própria identidade no filme.

Entretanto, o trabalho não consegue criar algo que seja marcante, com uma personalidade própria. Apesar da competência na condução das cenas dramáticas e de ação, assim como na fotografia, Alvarez não coloca na obra a mesma atmosfera imersiva e angustiante de seu último trabalho. O resultado disso é um thriller bem filmado, mas convencional e genérico, pouco se distinguindo de outros exemplos do gênero.

O roteiro é um aspecto que reforça essa sensação, apostando em uma abordagem diferente em relação à obra de 2011. Com uma pegada que lembra, por vezes, “007 Contra Spectre”, o texto investe mais na ação, deixando o tom investigativo e de mistério, um dos pontos fortes do longa de Fincher, de lado. Essa mudança por si só não seria um defeito, mas o roteiro deixa de investir em dois pontos importantes: o desenvolvimento dos personagens (mesmo agora decidindo explorar o passado de Lisbeth), que faça com que eles tenham uma maior evolução na história, e o aprofundamento da relação entre eles. A melhor representação desse cenário é a relação entre Lisbeth e Mikael, aqui abordado de forma muito mais distante, fria e superficial.

Assim sendo, o envolvimento do espectador tende a se torna menor, e isso deixa a trama mais arrastada e desinteressante. É verdade que a produção de Fincher, com suas quase 2h40, pode cansar o público. Mas a sua edição – vencedora do Oscar – torna esse tempo de tela proveitoso, envolvendo o telespectador em um mistério instigante. Todavia, o mérito da edição não se faz presente aqui. Ao invés de focar no duo protagonista, como da última vez, a montagem mira em vários núcleos diferentes, atrapalhando a dinâmica e não tornando o enredo mais ágil. Junte-se a isso a falta de aprofundamento dos personagens, e o resultado é uma projeção de duas horas de duração que dá a impressão de ser tão longa quanto o filme anterior.

Em relação às atuações, esse é outro aspecto característico do caráter genérico da produção. Ela conta com bons nomes, tais como Sylvia Hoeks (“Blade Runner 2049”) e Lakeith Stanfield (“Death Note”), porém o texto os limita, deixando de explorar seus personagens e, assim, fazer com suas interpretações sejam mais chamativas. O baque principal é o de Sverrir Gudnason, que não está nem perto de entregar uma atuação com uma presença tão grande quanto Daniel Craig, e isso prejudica demais a obra. O esforço que mais compensa e agrada é o de Claire Foy, mesmo ela não apresentando o ar introspectivo e de determinação de Rooney Mara. Nada, contudo, capaz de salvar o resultado final.

Desta forma, “A Garota na Teia de Aranha” acaba ficando muito aquém do patamar da adaptação de 2011, assim como dos próprios livros. Longe de emular a ambientação misteriosa e perturbadora do longa de David Fincher, a produção acaba se caracterizando como uma obra genérica e sem personalidade. O completo inverso do que Lisbeth Salamander é.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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