Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de novembro de 2018

Traffik – Liberdade Roubada (2018): um suspense que não entende seu gênero

Uma curta jornada com boas referências, que coloca vários alvos e não acerta nenhum deles em cheio.

Traffik – Liberdade Roubada” foi dirigido e escrito por Deon Taylor (de “Meet the Blacks”, uma espécie de paródia com a franquia “Uma Noite de Crime”) e carrega uma estrutura típica dos slasher movies (longas de suspense/terror com grandes doses de violência), mesmo sendo menos impactante do que aparentava. Os momentos de tensão ficam aquém de boas obras recentes do gênero, a exemplo de “Sala Verde”“Você é o Próximo”, e são logo dissipados. A impressão é que o filme pretendia ser para os slashers aquilo que foi o excelente “Corra!” para o subgênero de suspense/terror psicológico, com um pano de fundo de crítica social. Mas ficou no quase.

A trama acompanha uma jornalista íntegra e cheia de princípios enquanto comemora seu aniversário em um jantar ao lado do namorado e um casal de amigos. Ela ganha como presente um final de semana em uma mansão afastada da cidade grande com o namorado, mas as coisas não saem da forma planejada pelo casal e eles terão de lidar com criminosos que vão colocar suas vidas em risco.

Fica bem claro que o fato dos protagonistas serem atores negros e os vilões serem atores brancos busca trazer situações nas quais sejam mostradas atitudes racistas. Há, por exemplo, o momento em que um grupo de motoqueiros brancos desconfia que um casal de pessoas negras possa ter um carro caro, a menos que algum deles trabalhe com esportes. O problema é que a representação do racismo, tão presente na sociedade, é feita em um texto e direção pouco inspirados. E ao invés de imprimir naturalidade para os acontecimentos, eles acabam soando caricaturas.

Paula Patton (“Zerando a Vida”) interpreta a jornalista Brea, enquanto Omar Epps (da série “House”) dá vida a John, seu namorado. Se a obra tem uma qualidade questionável, não é por causa da atuação de ambos, que fazem o melhor que podem com o material que lhes foi fornecido. Epps executa um trabalho eficiente, convencendo como o namorado apaixonado e, mesmo nas cenas de ação mais intensas, seu trabalho é competente. Já Patton é o rosto do filme, e apesar de contracenar com outros atores, é ao redor dela que a história se desenvolve. A atriz parece ter se entregado ao papel e busca fazer tudo ao seu alcance para que as cenas funcionem. Ela se emociona, corre e luta por sua vida de maneira crível, e só não entrega mais por falta de uma direção de atores melhor. O restante do elenco fica na linha do regular.

Talvez o ponto alto da produção esteja no uso muito bem feito da canção de protesto “Strange Fruit” (fruta estranha, em tradução literal), criada por Lewis Allan e interpretada lindamente pela incrível Nina Simone, em uma cena em câmera lenta. A música é forte e tem uma letra que retrata a violência sofrida pela comunidade afrodescendente nos Estados Unidos. Há trechos como: “Árvores do sul produzem uma fruta estranha […] Corpos negros balançando na brisa do sul”, que criam um paralelo interessante com o filme, mas não é o suficiente para dar o peso dramático à obra como um todo.

Por fim, a catarse apresentada no longa tem novamente o problema de ser direta e rápida demais. Não há tempo para que seja possível criar expectativas e vê-las serem alcançadas ou não. É tudo muito abrupto e, se há algo que um material que se proponha a ser um suspense precisa, independente da mídia para qual ele seja produzido, é da criação de expectativa. Sem isso o filme perde o que seria o seu coração, se tornando uma obra passageira e esquecível.

Hiago Leal
@rapadura

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