Jeremy Saulnier pode ainda não estar na gama dos grandes diretores em atividade, mas ele possui uma virtude desejada por muitos: uma voz autoral forte e reconhecível. Sua filmografia é carregada de uma violência visceral, muitas vezes inesperada e até nauseante. O ótimo “Sala Verde” talvez seja o melhor exemplo disso. A princípio, “Noite de Lobos” parece se afastar um pouco do padrão de Saulnier, mas logo ele volta a fazer o que sabe melhor, e pinta de vermelho as pálidas paisagens do filme.

Na trama, após a morte da terceira criança por uma alcateia em uma remota vila do Alasca, Medora Slone (Riley Keough, “Logan Lucky”), a mãe do recém-desaparecido, convida Russel Core (Jeffrey Wright, da série “Westworld”), autor de um livro sobre lobos, para rastrear e matar os animais que pegaram seu filho. Os dois personagens passam o primeiro ato praticamente sozinhos, seja tendo diálogos curtos, mas filosóficos, ou explorando o local gélido onde o filme se passa. É a parte mais incomum do longa, se comparada com a obra pregressa do diretor. Traz longos planos contemplativos, um clima melancólico e até mesmo uma cena que flerta com o terror.

A explosão de violência acontece somente após o desaparecimento de Medora e a introdução de dois personagens: Vernon (Alexander Skarsgård, “A Lenda de Tarzan”), seu marido que está retornando da guerra, e Donald (James Badge Dale, “Guerra Mundial Z”), o xerife local. Esse momento na história marca uma mudança de rumo inesperada, mas efetiva o suficiente para tornar a trama mais interessante. O defeito aqui é a inserção de algumas dessas cenas de violência que parecem estar ali sem motivo aparente. São cruéis e muito bem filmadas, mas a sua existência na história é questionável, de maneira que se tornam inconsistências no roteiro.

A atmosfera criada pelo diretor é um dos bons elementos da produção. Ela anda acompanhada de uma trilha sonora digna de um filme de terror que sugere que a qualquer momento algo sobrenatural pode acontecer ali. Porém, não podemos falar o mesmo do desenvolvimento de todos os personagens. Enquanto os de Wright e Dale tem dramas internos com a paternidade para lidar (no primeiro há o afastamento de sua filha adulta, enquanto no segundo, a ansiedade por se tornar pai na meia idade), o casal Slone tem suas ações com motivos pouco claros ou simplesmente confusos. É difícil culpar os atores por algo que parece ser consequência do roteiro do ainda inexperiente Macon Blair (“Já Não Me Sinto Em Casa Nesse Mundo”).

“Noite de Lobos” é um filme de camadas, com difícil interpretação. É cheio de detalhes que sugerem que a história não ocorre apenas no nível superficial que vemos na tela. Ele faz parte de um universo cheio de segredos místicos e perturbadores. Mas assim como o protagonista, nós estamos ali apenas como observadores, e não nos aprofundamos em tais segredos. Talvez esse seja o maior pecado do roteiro. Ao não explicar um pouco melhor todo o contexto do que está acontecendo ali, o argumento se torna confuso e pode afastar o espectador, principalmente em seu ato final. Apesar de não ser ruim, ele perde parte de seu valor, tornando-o inferior dentro da filmografia do diretor.