Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 01 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody (2018): um presente para os fãs da majestade do rock

Do início ao fim de uma das maiores bandas do rock. Essa é a proposta deste filme, que acerta e falha ao mesmo tempo nesta missão. Para quem for fã da banda, deve se emocionar em diversos momentos. Porém, o restante do público não deve sentir o mesmo impacto.

Cinebiografias não têm a obrigação de serem fiéis à história que se propõe contar, afinal, para isto que existem os documentários. O cinema se permite construí-las através de ficções idealizadas para contar a realidade. Os redundantes “fatos reais”, que mais servem para convencer o público do que para assumir qualquer obrigação com a veracidade, se misturam com a inclusão de momentos que nunca aconteceram, ou até mesmo com a mudança da ordem cronológica dos acontecimento, pelas simples necessidade narrativa que um filme pede. “Bohemian Rhapsody” é mais um exemplo disso.

Essa mistura de realidade e ficção está sempre presente enquanto acompanhamos a trajetória de uma das maiores bandas de rock da história, Queen. Dos primórdios, com pequenas apresentações, até o magnífico show no Live Aid, realizado no Estádio de Wembley, em Londres, para aproximadamente oitenta e duas mil pessoas, o filme entra em conflitos internos e dramas pessoais de Freddie Mercury (Rami Malek, da série “Mr. Robot: Sociedade Hacker”), Brian May (Gwilym Lee, “O Turista”), Roger Taylor (Ben Hardy, “X-Men: Apocalipse”) e John Deacon (Joseph Mazzello, “G.I. Joe: Retaliação”).

Imersão é o conceito que se sobressai neste filme. A direção de Bryan Singer (da série “The Gifted”), substituído durante a produção por Dexter Fletcher (“Voando Alto”), busca colocar os fãs no íntimo do grupo e, em especial, de Freddie Mercury. Nesse sentido, a obra assume a função dupla de apresentar a trajetória da banda e do vocalista, deixando os demais membros restritos à primeira função. Enquanto no visual e na música o filme encanta, esta narrativa duplicada se torna fraca, e a isso deve se atribuir diversos fatores. A mudança de direção ao longo da produção, o roteiro não assumir um posicionamento crítico (pelo contrário, diversos momentos são simplesmente romantizados), e os recortes temporais escolhidos (aqui, provavelmente, algo que aconteceu durante a montagem).

Por outro lado, quando se pensa na representação da banda e dos principais momentos, estamos diante de uma das mais belas reconstituições já produzidas pelo cinema. Não apenas pela fidelidade (Gwilym Lee como Brian May tem especial destaque), mas pelo cuidado de reconstruir o período de atividade do grupo. Os shows, as performances, os estúdios, tudo tem um capricho que deve emocionar os fãs, dos mais fiéis aos ocasionais.

A atuação de Rami Malek acaba assumindo uma função de destaque, uma vez que a obra dedica boa parte das mais de duas horas acompanhando Freddie Mercury. O ator demonstra ter estudado os movimentos do músico para aplicá-los no personagem. O resultado é capaz de encher o público de lágrimas, em especial os órfãos do artista. Malek tem presença (assim como Mercury), e se destaca naturalmente quando está em tela.

A sexualidade do vocalista também tem espaço, apesar de discreto. O roteiro não hesita em falar de homofobia através de diálogos pouco expositivos, mas não entra em detalhes íntimos. Para estes momentos, a opção foi trazer a relação entre Mercury e Mary Austin (Lucy Boynton, “Assassinato no Expresso do Oriente”). A amizade dos dois é retratada mostrando o fascínio do vocalista pela amiga. É através dela que nos deparamos com os momentos de insegurança de Freddie Mercury. Porém, à atriz também cabe a função de coadjuvante, sendo apagada a partir da metade do filme, retornando apenas em alguns momentos-chave da história.

Quanto à trajetória do grupo, o filme oscila entre momentos bonitos e bem estruturados narrativamente, como quando a banda está trabalhando no álbum “A Night at the Opera” e na canção que dá título ao filme. Por outro lado, alguns momentos de criatividade soam forçados, como quando John Deacon cria o riff inicial de “Another One Bites the Dust”. Isso, contudo, não afeta o que há de melhor nesta obra: a carga dramática e a nostalgia dos fãs.

Quem busca conhecer a verdadeira história do grupo, talvez não vá encontrar em “Bohemian Rhapsody” a melhor das opções. Porém, quem quer reencontrar um dos maiores ícones do rock, certamente terá um prato cheio aqui. A trilha sonora, que acertadamente traz muito das músicas do Queen (“Don’t Stop Me Now” é tocada de maneira emocionante perto do final do filme) e a performance no Live Aid coroam (com o perdão do trocadilho) o filme, que visualmente é digno da majestosa carreira da banda. Faltou apenas ser menos carinhoso ao olhar para os personagens.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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