Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 06 de setembro de 2018

A Freira (2018): a máquina de sucessos de James Wan

Completo domínio técnico e a boa ideia de explorar mais detalhadamente as antagonistas da série "Invocação do Mal" faz do diretor, produtor e roteirista malásio o principal nome do terror atual.

A boa mão de James Wan continua nos dando obras de terror que não decepcionam em qualidade e efeitos, ainda que reproduza certos esquemas narrativos já batidos que às vezes fazem a série fatigar, como apontado à propósito de “Annabelle 2” (2017).  Contudo, a série iniciada por “Invocação do Mal” (2013) ainda sobrevive em filmes derivados por causa da força de suas aterrorizantes antagonistas. Este é o caso de “A Freira“, novo longa da série dirigido por Corin Hardy (“A Maldição da Floresta”).

A obra dá um passo além e corrige uma cadeia de erros cometidos por “Annabelle” (2014), primeiro spin-off da série, e sua continuação, adicionando novos elementos e uma ambientação completamente nova. Agora a história se passa num convento no interior da inóspita Romênia (locação real do filme) do pós II Guerra, para onde um padre e uma noviça (que ainda não tomara seus votos) são enviados para investigar a morte de uma freira. Depois de um sucinto prólogo, que explora as características e contextos de onde partem os dois personagens principais, o padre Burke (Demiáh Bichir, de “Oito Odiados”) e a irmã Irene (Taissa Farmiga, da série “American Horror Story” e irmã de Vera Farmiga, de “Invocação do Mal”), somos rapidamente levados ao macabro Convento de Santa Carta, habitado por uma entidade demoníaca e onde freiras aparecem e desaparecem pelos corredores noturnos.

O carisma dessa história concentra-se totalmente nas boas interpretações de seus protagonistas, que convencem mesmo com as limitações de seus personagens estereotípicos, e sabem brincar com os truques do gênero. Mesmo o alívio cômico, concentrado no personagem Frenchie (Jonas Bloquet, de “Elle”), reproduzindo esse tom de ironia atrapalhada que aparece atualmente em alta em Hollywood, serve ao seu propósito de atenuar, de tempos em tempos, o frio na barriga dos espectadores.

Produções como essa têm demonstrado um refinado domínio técnico, proporcionado pelos infinito fundos de seus estúdios, que acaba se fazendo questionar quais resultados aconteceriam se aplicados na mesma proporção a outros gêneros, ou se mais produções ao redor do mundo dispusessem dos mesmos recursos. Mas já há algum tempo essa categoria de filmes aparece em alta na indústria norte-americana, e talvez de fato nunca tendo estado em baixa, com contínuos sucessos de bilheteria. Um exemplo recente é o remake de “It: A Coisa”, que no ano passado arrecadou US$ 700 milhões no mundo. Já a franquia “Invocação”, incluindo seus spin-offs, renderam impressionantes US$ 1,2 bilhão à Warner. Isso demostra, entre outras coisas, o sucesso do método Wan, que consegue, mesmo diante de crises na produção, entregar uma obra que não decepciona. No caso de “A Freira”, o roteirista tivera que ser substituído e algumas cenas foram refilmadas pelo próprio Wan, ainda que não tenha sido creditado, sem atrapalhar a integridade da história.

Não que o filme provoque um terror brutal – neste sentido, “Hereditário” (2018) continua imbatível nesse ano –, ainda que um de seus trailers tenha sido banido do YouTube a pedido dos usuários, que o reportaram como “assustador demais”. Mas para os fãs dessa linha de terror americano (porque é importante salientar que existem outras formas de terror, e longas como “Boa Noite, Mamãe” e até mesmo “A Bruxa” mostram isso), “A Freira” pode ser tida como uma obra que reúne bem todos os elementos de que gostamos no gênero. Deve-se aplaudir, ainda e mais uma vez na série, o trabalho da direção de arte e figurino, que compõem o clima ideal à trama, e ainda a alguns inspirados planos, como na cena que marca o início do terceiro ato, em que a irmã Irene realiza seus votos de freira, deitada ao chão diante de um altar.

Em tempos de franquias no cinema, algumas melhores do que outras, a série capitaneada pelo malásio James Wan vai se consolidando da mesma forma como outras franquias do gênero o fizeram no passado, como “Halloween” e “A Hora do Pesadelo” nos anos 1970 e 80, e “Jogos Mortais” nos anos 2000. Mas se hoje as intenções de repetir esses filmes, como nos remakes e novas continuações que essas três produções tiveram recentemente, revelam anacronismos ou falham em capturar os anseios atuais por pavor e desespero, ao contrário dos seus concorrentes, os demônios de Wan continuam com tudo.

Vinícius Volcof
@volcof

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