Apesar de previsível e com uma narrativa oscilante, longa da Netflix é uma boa pedida para os amantes de dramas repletos de humor e prantos.
Em Hollywood, seguir uma fórmula específica para atingir o sucesso está longe de ser um crime. Em uma indústria movida pelo dinheiro, produtores e realizadores estão sempre em busca de um método que lhes traga cada vez mais retorno, para cada vez menos investimento. Uma categoria de filmes crescente no cinema é o “romance terminal”: história de amor – não necessariamente conjugal, vale salientar – onde algum personagem é acometido por uma doença severa (normalmente, um câncer), e a partir daí desenvolvem-se cenas que certamente irão nos fazem refletir ou, principalmente, chorar. Apesar de notoriamente previsíveis, estes longas ainda assim costumam atingir seus objetivos.
Um novo exemplar desse grupo de filmes é “Perfeita Pra Você”, trazido pela Netflix. A história acompanha Abbie (Gugu Mbatha-Raw, “Uma Dobra no Tempo”) e Sam (Michiel Huisman, “Amor em Tempos de Guerra”), juntos desde a infância e donos de uma relação aparentemente perfeita. Depois de suspeitar que estava grávida e planejar a celebração dos frutos do relacionamento, Abbie entra em choque ao descobrir que tem câncer em estado avançado, lhe restando pouco tempo de vida. A partir daí, o longa desenvolve duas subtramas: o enfrentamento das adversidades causadas pela doença, tanto na esfera pessoal, quanto pelo lado do casal, e a busca de Abbie por alguém que a substitua como a parceira zelosa e super-protetora de Sam.
Tanto o título original (“Irreplaceable You”, ou “Você é Insubstituível” em tradução livre), quanto o adotado pelos tradutores brasileiros, fazem jus ao plot da missão de Abbie, que tenta encontrar alguém “perfeita para Sam”, mesmo que a todo momento fique evidente que ela não pode ser substituída. Sempre que o longa explora as possibilidades desse argumento, o roteiro busca ser mais leve, apostando em diálogos engraçados e retratando situações suaves do cotidiano. Essa decisão, embora banal, mostra-se acertada diante do peso trazido pela temática da narrativa principal. Aliás, não apenas esta, mas todas as escolhas da estreante na direção de cinema Stephanie Laing mostram-se seguras, porém pouco inventivas (à exceção da cena final, construída de forma deslumbrante).
As transições entre a empreitada de Abbie e sua caminhada lidando com a doença são bem feitas, muito graças aos personagens secundários, que apresentam função narrativa clara em cada uma das subtramas. Vale salientar que, por várias vezes, fica a sensação de que estes coadjuvantes são muito mais interessantes do que o casal principal, deixando uma sensação de que suas histórias poderiam ser bem melhor aproveitadas. Um exemplo é o personagem Myron, interpretado brilhantemente por Christopher Walken (“Correndo Atrás de um Pai”), que se mostra útil para a jovem protagonista devido à sua experiência e tiradas ácidas, tanto no grupo de apoio onde se conheceram, quanto na busca de Abbie pela garota ideal que irá lhe substituir. Porém, a sua personalidade é tão magnética, que ele facilmente roubaria o filme para si se ganhasse mais tempo de tela. Steve Coogan (“Meu Malvado Favorito 3”) e seu (quase) sempre blasé Mitch, e o divertidíssimo enfermeiro Dominic, interpretado por Timothy Simons (da série “Veep”), também apresentam esse encanto.
Outra que pouco aparece, mesmo sendo essencial para a carga dramática do filme, é a personagem de Kate McKinnon (“A Noite é Delas”). É através de suas interações no grupo de apoio que podemos refletir sobre como as pessoas costumam enfrentar as doenças terminais. Assim como existem os que acabam se desiludindo da vida e tendendo a encarar as fatalidades de forma rude e negativa, Kate (também o nome da personagem) é o retrato dos que buscam enxergar a adversidade pelo viés positivo, sendo alvo de críticas dos demais. Até dentro desse escopo existem personas diferentes, variando entre os que aceitam a efemeridade da vida e decidem apenas aproveitar o tempo que lhes é dado, e os que acreditam (cegamente) na possibilidade da cura, mostrando que cada ser humano corresponde a um universo único.
Também é curioso notar como os dois lados deixam transparecer suas “estranhezas”, cada um à sua maneira. E é ainda mais interessante perceber o quanto é difícil (ou até mesmo equivocado) julgar essas excentricidades, porque não há como prever como cada um reagiria ao passar por esse tipo de situação. De fato, o texto da roteirista novata Bess Wohl, mesmo derrapando na construção dos momentos emocionais dos protagonistas, ou ainda na valorização e na profundidade dos coadjuvantes, revela-se uma obra repleta de amor, delicadeza e ternura.
A falta de comentários sobre a trama principal aqui não é por acaso, pois o longa realmente é bastante previsível, ainda mais com a quantidade de dramédias de plots parecidos existentes hoje em dia. Mesmo assim, “Perfeita Pra Você” apresenta qualidades, especialmente em seu elenco de apoio, e se mostra gentil e afável ao abordar um tema difícil. Deve agradar, sobretudo aos espectadores que adoram morder iscas de lágrimas.