Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de agosto de 2018

Virgens Acorrentadas (2018): “não é o tipo de filme que você está pensando”

Com a premissa de fazer uma filme para não ser levado a sério, Paulo Biscaia entrega uma divertida homenagem ao cinema de horror das décadas de 1970/80 sem perder o foco na essência do seu trabalho.

Há um espírito – sem trocadilhos aqui – que envolvia os filmes do diretor Tobe Hooper (“Poltergeist: O Fenômeno”). Sua filmografia costumava não perdoar personagens, que estavam além da monótona dualidade entre serem boas ou más. A maldade precisa se alimentar, mas ela não é a predadora voraz que cerca os mocinhos (como John Carpenter costuma fazer). As personagens de Hooper adentram por opção no espaço que pertence ao mal e então tudo começa. Nesse sentido, não haveria influência mais interessante para Paulo Biscaia Filhos (“Nervo Craniano Zero”) referenciar em seu mais novo filme: o diretor adentra os diversos cenários e clichês criados ao longo de anos no cinema de horror, para criar um material próprio.

Em “Virgens Acorrentadas”, acompanhamos Shane (o estreante Ezekiel Z. Swinford) e sua namorada, Chloe (Kelsey Pribilski, de “Funemployment”), tentando gravar um filme de terror com poucos recursos. Porém, durante as gravações, os donos de uma casa utilizada como locação revelam-se canibais sádicos que pretendem fazer da ficção uma realidade.

A ideia de trazer referências de “filmes de terror b”, buscando influências que vão do próprio Hooper a Sam Raimi (“Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio”), poderia deixar a narrativa cansativa ou pedante. Mas o que vemos é o extremo oposto, já que Biscaia se preocupa em primeiro lugar em realizar a sua própria obra. A direção é focada em contar uma história e no meio do cenário de horror ao qual somos expostos, surgem flashes deste ou daquele filme. E tudo flui naturalmente. Conhecedor do gênero, o diretor passeia pelos clichês do horror e os utiliza com consciência. E assim nos deparamos com um lado cômico, que se beneficia dos absurdos utilizados à exaustão por anos em diversos filmes.

O roteiro – escrito por Gary McClain Gannaway, outro conhecedor do gênero – é mais uma pérola. Acompanhamos duas histórias que se integram e se afastam constantemente. De um lado os bastidores, mostrando a dificuldade de se realizar sua própria produção. Do outro, nos deparamos com a realização do filme em si. A maneira como o diretor consegue narrar as duas histórias de forma tão coesa deixam o longa, aparentemente simples, com algumas camadas interessante. Em determinado momento acompanhamos Shane finalizando o terceiro ato, ao mesmo tempo outras personagens estão sendo caçadas pelos donos da casa. A montagem coloca as cenas de forma que o público não sabe se estamos vendo como o roteiro deveria ser, ou se acompanhamos um massacre de fato. Com a conclusão, Biscaia assume o controle dessa ambiguidade, deixando clara sua intenção.

Há décadas o cinema de horror nos oferece obras repletas de sangue, violência e ilustres personagens – Michael Myers, Leatherface, Hellraiser, Jason, os zumbis de George Romero (“A Noite dos Mortos Vivos”), para ficar apenas nos mais conhecidos. Assistir a um filme como “Virgens Acorrentadas” é revisitar os longas que deram vida estas figuras, reconhecendo seu valor histórico, tanto visual quanto narrativo. É também um deleite para quem já se viu na situação de tentar realizar seu próprio longa, pouco importando as dificuldades. A ingenuidade de Shane ao longo do filme é uma divertida aproximação entre realizador e público, cujo resultado consegue provar que mesmo o cinema de gênero tem espaço para renovação.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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