Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de julho de 2018

Uma Quase Dupla (2018): quase chegou lá

A nova comédia nacional de define como pouco inovadora, porém muito eficiente no que se propõe: divertir.

Os últimos anos têm sido marcantes para a comédia nacional. Mesmo com os recorrentes sucessos de bilheteria, é fato que boa parte das produções desse gênero não é lembrada pelo rigor técnico ou qualidade de roteiro, mas sim como um entretenimento lucrativo e de fácil digestão pelo público geral. Todavia, estamos presenciando uma grande renovação nesta categoria, que agora apresenta obras que aliam a propensão a serem compreendidas naturalmente a um texto ágil e inteligente, um elenco de qualidade e cheio de química, e um apreço notável pela estética sonora e visual. “Uma Quase Dupla” é mais um bom exemplar dessa nova safra.

O filme se desenvolve baseado em uma série de assassinatos que vêm acontecendo na cidade interiorana de Joinlândia. Incapazes de lidar com a ocorrência, a polícia local solicita um apoio de fora, personificado em Keyla (Tatá Werneck, “TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva”), uma investigadora do Rio de Janeiro acostumada com as atrocidades mais macabras ocorridas na capital fluminense. Para resolver o crime, ela conta apenas com a ajuda de Cláudio (Cauã Reymond, “Reza a Lenda”), o subdelegado da cidade, dono de uma bondade e simplicidade características.

Mesmo se tratando de uma comédia pura, o longa caminha ao lado do suspense policial, homenageando filmes clássico de duplas como “Máquina Mortífera”. Outra categoria enaltecida é a das mulheres badass como personagens principais, algo que fica transparente na inversão de papéis e quebra de estereótipos entre a protagonista feminina, que chega a urinar em pé pela praticidade, e o masculino, bem mais doce e afável. Não só isso, mas várias citações e outras referências implícitas permeiam a obra, como menções diretas a “Seven”, ou ainda na primeira sequência de Cláudio no filme, representando uma cena clássica de “Taxi Driver”. Além disso, é destacável o cuidado da produção ao transportar o universo típico dessas obras dos anos 1970 e 1980 para os nossos costumes. A atmosfera criada é bastante peculiar, pois apesar de não termos vivido essa realidade em nosso país, a experiência prévia de cultura pop do espectador, aliada ao imaginário geral de uma cidade pacata do interior (e por se tratar de uma comédia), deixa a experiência bastante crível.

Outra peça fundamental na composição do longa é a aproximação com o gênero do suspense, que além de trazer uma estética visual muito bem trabalhada quando as cenas dos crimes são mostradas – algumas de forma medonha -, tem a importantíssima função de servir como guia para a trama principal, evitando que a narrativa se perca em meio às piadas e gags do roteiro. Essa qualidade ímpar de passear por vários gêneros sem pecar (muito) no ritmo da produção, não só dá as caras no roteiro, como se mostra mais do que apropriada na trilha sonora. As músicas, além de ajudarem na emulação da atmosfera de suspenses policiais, entrepõem-se no filme de forma bastante eficiente, dando o tom ideal a cada nova sequência filmada.

Mesmo com todos esses pormenores, não podemos esquecer que o longa é uma comédia. E nesse ponto, ainda que sem grandes excepcionalidades ou inovações na direção, a obra demonstra seu brilho. Tatá Werneck, figura amada e odiada por sua bagagem do humor televisivo, traz novamente suas características marcantes de falas nonsense aceleradas, ideais para as piadas dependentes de timing e atenção do público, que (surpreendentemente) não deve ter dificuldades de compreender o texto da atriz. Cauã Reymond fascina ao trazer um personagem excelente e bem diferente do que ele costuma apresentar. O papel funciona perfeitamente, tanto na química com Tatá quanto sozinho, protagonizando cenas hilárias como a pausa em uma perseguição só para jogar papo fora com uma senhora na rua. Já os atores secundários oscilam bastante, variando entre papéis apresentados sem nenhum aproveitamento, como o personagem de Gabriel Godoy (“Gosto Se Discute”), e atuações excelentes como Daniel Furlan (“La Vingança”), parceiro de longa data de Tatá e mais um expoente do momento de renovação da comédia brasileira.

É fato que, apesar de todas as homenagens e referências já citadas, a narrativa é apenas uma desculpa para que as piadas possam existir. E as titubeadas aparentes no elenco de apoio também são vistas nas doses de humor da obra, que se alternam entre gags brilhantes e hilárias, e momentos que beiram o pastelão, como na perseguição ocorrida em uma rua repleta de laranjas no chão. Somados a isto, estão os equívocos de continuidade e edição, além de algumas situações onde o nonsense pode ser exagerado demais para o gosto do público. Contudo, nada que estrague o filme como um todo.

A verdade é que “Uma Quase Dupla” não foi concebido para ser um filme perfeito. Pelo contrário, o diretor Marcus Baldini (“Os Homens São de Marte… E É Pra Lá que Eu Vou”) procurou compreender as limitações do roteiro (escrito a cinco mãos) e do gênero como um todo, e fazer o melhor para entreter. Felizmente ele atingiu seu objetivo muito bem, entregando um lazer que diverte sem cair na mesmice das comédias nacionais repetitivas. Infelizmente, a obra não se mostra tão memorável para ficar marcada na mente dos espectadores. Pondo tudo na balança, ao menos o saldo parece ser bem positivo.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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