Com um roteiro repleto de falhas e uma história que rapidamente se perde, o sci-fi da Netflix é um marco terrível para o gênero.
Ao longo das décadas, a ficção científica sofreu com a pouca variedade de obras para o cinema, na sua maioria de qualidade questionável. Recentemente, a Netflix mostrou-se interessada em reverter esse quadro ao desenvolver diversas produções desse gênero, aumentando consideravelmente as opções para os fãs. Contudo, mesmo buscando explorar esta categoria das mais diversas formas, é consenso que boa parte desses novos longas estão um pouco (ou muito) aquém das expectativas do público. “The Titan” é mais um exemplar dessa lista amarga, sofrendo principalmente com seu roteiro esburacado e totalmente mal aproveitado.
A trama se passa em uma Terra sentenciada ao apocalipse, onde cientistas buscam uma forma de colonizar outro corpo celeste (nada de novo por aqui) para manter a continuidade da nossa espécie – neste caso, a lua de Saturno, Titã. Para conseguirem sobreviver à atmosfera hostil do lugar, um grupo de militares voluntários serão treinados pela equipe liderada pelo professor Martin Collingwood (Tom Wilkinson, “Snowden: Herói ou Traidor”), e sofrerão uma série de alterações biológicas durante o processo de preparação para a viagem.
A premissa traz uma abordagem interessante quanto ao tema relativamente batido da colonização espacial. Aliar a necessidade de sair de um planeta condenado ao desejo megalomaníaco de um cientista obcecado pela evolução forçada da espécie, trouxe uma visão curiosa e relevante, especialmente ao traçarmos um paralelo com as experiências nazistas nesse escopo (algo citado na própria narrativa). Contudo, não demora para descobrirmos que esta variável da trama, capaz de transformar a obra em uma ficção científica notável apenas por essa discussão, será logo preterida em prol da relação familiar entre os protagonistas Rick (Sam Worthington, “A Cabana”) e Abi (Taylor Schilling, da série “Orange Is the New Black”), além do pequeno Lucas (Noah Jupe, “Um Lugar Silencioso”). Esta escolha não é, por si só errada, mas o conjunto de decisões tomadas no decorrer da obra, acabam se provando um verdadeiro desastre.
O cansaço já nos atinge ainda no primeiro ato, quando vamos alternando entre o drama familiar, as (longas e demoradas) fases do “treinamento” e os efeitos colaterais sofridos pelos cobaias do experimento. Embora lentidão não seja uma característica necessariamente ruim, a história contada é tão desinteressante que faz parecer que horas estão se passando e nada relevante acontece. Uma surpresinha aqui, uma morte inesperada de alguém sem muita importância acolá… nada é suficiente para prender 100% da atenção dos espectadores. Talvez se a obra fosse transformada numa série – daquelas com vários episódios tediosos, porém com finais que nos fazem querer assistir aos próximos – funcionasse melhor. A verdade é que o filme gasta mais da metade de sua duração preparando o público para um clímax que ele mesmo não abraça no seu desfecho.
E o que falar desse desfecho!? A sensação é de que os roteiristas Max Hurwitz (da série “Hell on Wheels”) e Arash Amel (“Seducing Ingrid Bergman”) jogaram tudo que havia sido apresentado até então no lixo e escreveram uma obra totalmente nova, mantendo apenas os personagens. O ritmo acelera demais e muito repentinamente, deixando diversos furos de roteiro pelo caminho e resolvendo outras subtramas de forma inconcebível, exatamente o oposto da narrativa cadenciada que vinha sendo contada até então. É como se, de última hora, o longa precisasse perder meia hora de duração e ninguém tivesse capacidade/vontade de repensar o filme como um todo.
É complicado falar mais sem revelar muito da trama, afinal são muitos plot twists, ainda que insossos e sem muita graça. Mas se existem pontos positivos para destacar nessa obra, eles são a maquiagem bastante realista – que parece ter abocanhado grande parte do orçamento da produção – aplicada em Rick, algumas transições ocasionadas por lampejos de qualidade da edição, e as atuações do casal de personagens principais. Enquanto Taylor Schilling entrega um papel com uma boa carga dramática e alguma importância real na narrativa, por vezes roubando o protagonismo da história para si, Sam Worthington, curiosamente, se destaca quando atua totalmente sem expressões.
Entre poucas virtudes e numerosas falhas, com personagens inexplicáveis e um roteiro caótico, talvez “The Titan” até consiga ficar um tempo na mente do público… como uma das piores ficções científicas já feitas. Até quem consegue não se importar com erros grotescos – como uma instalação que vigia todas as casas dos funcionários com filmadoras mega escamoteáveis, não possuir uma mísera câmera para segurança interna!! – deve ter a sensação de que qualquer outra obra do vasto catálogo da plataforma de streaming teria sido uma melhor opção.