Mesmo com equivocadas e previsíveis decisões de roteiro, o novo longa da Netflix é uma ótima pedida para os ávidos consumidores de comédias românticas.
Não é incomum vivermos momentos onde um filme de temática específica alcança um relativo sucesso e acaba causando o nascimento de vários outros, que buscam trazer uma visão nova e relevante daquele mote ou apenas pegar carona no sucesso do longa primordial. A saga “Crepúsculo” e o Universo Cinematográfico da Marvel são apenas alguns exemplos recentes desse fenômeno. Após os lançamentos de “Me Chame Pelo Seu Nome” e “Com Amor, Simon”, o período atual se mostra propício para produções com protagonistas gays, revelando o quão extraordinárias podem ser suas jornadas de autodescoberta. “Alex Strangelove” chega pela Netflix, aparentemente para aproveitar esse hype e, embora não apresente o mesmo requinte das obras anteriores, se qualifica como uma admirável comédia romântica.
A trama, escrita e dirigida por Craig Johnson (“Irmãos Desastre”), acompanha Alex Truelove (Daniel Doheny, “Public Schooled”), um rapaz que possui uma vida aparentemente perfeita: tira boas notas, é presidente do grêmio estudantil e namora sua melhor amiga Claire (Madeline Weinstein, “Ratos de Praia”). Apesar da relação possuir uma leveza ímpar, eles têm um problema: Alex não consegue perder sua virgindade, travando sempre que a namorada investe no assunto. Quando o jovem decide finalmente fazer sexo com Claire, arquitetando um plano para que tudo ocorra perfeitamente, ele conhece Elliot (Antonio Marziale, da série “Altered Carbon”), com quem acaba desenvolvendo uma química muito boa e enchendo a cabeça com dúvidas sobre sua sexualidade.
Uma das grandes qualidades de filmes desse escopo, é não tecer regras sobre como deve ser o trajeto de aceitação dos próprios sentimentos dos protagonistas. Cada história pode (e deve) ser única, pois assim, cada vez mais espectadores podem enxergar suas vidas nas telonas e se sentirem representados ao assistir. A jornada de Alex, por exemplo, ocorre de forma muito rápida, o que não é necessariamente um defeito, afinal isso pode acontecer com qualquer um. Porém, ao invés de abraçar a possibilidade apresentada, o roteiro se preocupa em mostrar, através de um flashback descartável, que a orientação sexual do protagonista vinha se definindo ainda quando criança. Por mais que sirva para justificar o futuro bloqueio mental que ele apresentará, esse artifício acaba se mostrando uma escolha um tanto desnecessária para a construção do personagem.
Essa não é a única derrapada do argumento, que aposta em privilegiar por completo a figura de Alex, em detrimento dos demais. Mesmo com um ritmo dinâmico e bem fácil de assistir, o filme não desenvolve nenhuma subtrama convincente, tornando a maioria de seus personagens rasos e estereotipados. Elliot, que deveria ser a força motriz do conflito e do clímax da história, simplesmente some em determinado momento do longa, para voltar apenas no desfecho, e de uma forma previsível e até piegas. Os diálogos entre ele e Alex são bastante dinâmicos e carismáticos, o que deixa a decisão de preteri-lo ainda mais inadequada. Dell (Daniel Zolghadri, “Fahrenheit 451”) é o único amigo-clichê que lembramos ao menos o nome, pois o seu interesse amoroso e a sua mudança de pensamento na velocidade da luz são quase inexplicáveis. A única que se salva é Claire, que por várias vezes toma a torcida do público para si, seja pela notável atuação de Weinstein, passando pelas camadas que a personagem desenvolve, e, principalmente, em todas as vezes em que Alex se mostra um completo babaca.
Daniel Doheny ao menos se mostra capaz de sustentar todos os holofotes voltados para ele. Mesmo que Claire tente roubar a cena algumas vezes, é o protagonista e sua jornada que estão sempre em foco no longa, o que dá muito tempo de tela ao ator para passar credibilidade e conquistar os espectadores. E ele consegue isso muito bem, tanto na relação escassamente explorada com Elliot, quanto com seus amigos-clichês, rendendo a maioria das cenas cômicas. Novamente a narrativa se mostra infeliz ao encontrar soluções rápidas demais para os seus conflitos, especialmente com sua namorada, que sofre na mão do roteirista e ainda tem que ficar contente com isso.
“Alex Strangelove” é uma comédia romântica na sua essência, repleta de clichês, não trazendo primor no roteiro ou atuações dignas de Oscar, mas sendo eficiente no que se propõe: entreter o público. E ainda ganha pontos por ser mais uma obra na safra da representatividade, que se faz tão necessária atualmente. Mesmo dando a impressão de ser um trabalho levemente refeito para evitar comparações com os predecessores, decerto não deve sofrer com o estigma de se aproveitar do hype alheio.