Em seu décimo-nono filme, a Marvel demonstra que sempre teve pleno controle do caminho que seguia ao entregar um longa que atende expectativas.
A palavra “fim” geralmente carrega consigo a conotação do término e o ponto final quanto ao que a precedeu. No cinema, essas letras encerram uma jornada feita pelos personagens, e deixam seus futuros para a imaginação de seus espectadores. Contudo, o “fim” também pode ser o propósito e o eixo para o qual tudo converge. “Vingadores: Guerra Infinita” é o fim do universo Marvel nos cinemas: não um ponto final, mas o merecido ápice para onde os últimos dez anos caminharam.
Após o fracasso de vários de seus lacaios, Thanos (Josh Brolin, do vindouro “Deadpool 2“) decide realizar seu intento por conta própria e conquistar as seis Joias do Infinito, de forma a comandar toda a realidade e exterminar metade de todas as populações existentes. Assim, todos os herois do cosmos, com suas próprias razões para combater o Titã Louco, partem rumo à guerra definitiva contra o ser mais poderoso que o universo já viu.
Para isto, os núcleos, inevitavelmente, são múltiplos. O longa conta com mais de vinte herois, inicialmente isolados em seus contextos e posteriormente atraídos em direção uns dos outros. As duas horas e vinte de filme se fazem necessárias para que isto ocorra de maneira mais natural; os esperados encontros não se impõem de maneira forçada, demonstrando-se orgânicos frente ao caos de proporção cósmica. A apresentação de cada núcleo é feita com maestria, inserindo o público na linguagem do filme original – seja através das cores, como no caso de Asgard, ou da música, com os Guardiões da Galáxia e Wakanda. Por instantes, vemos curtas-metragens individuais, antes que eles se convertam rumo à “Manopla do Infinito”.
Apesar disso, as transições de personagens entre núcleos e os intervalos entre suas aparições dificultam o trabalho do espectador em acompanhar onde qual herói está em cada momento; é fácil esquecer do arco de um deles, principalmente durante o primeiro ato do filme. A consequência natural – e esperada – deste fluxo intenso de faces, é que muitas se perdem na multidão, mostrando-se dispensáveis no escopo maior da trama.
Mesmo assim, a construção do filme demonstra a plena maturidade da chamada “Fórmula Marvel”: os momentos de comicidade estão presentes, porém não só são bem encaixados, como são necessários para dar fluidez e equilíbrio para este encadeamento de sequências grandiosas e intensas. Embora a comédia não seja refinada ao ponto de identificar os personagens pelo seu estilo de humor, Homem-Aranha/Peter Parker (Tom Holland, “Homem-Aranha: De Volta ao Lar“) e Senhor das Estrelas/Peter Quill (Chris Pratt, “Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros“) se destacam ao entregarem piadas inimitáveis, demonstrando a solidez da individualidade de seus papeis.
A “fórmula” também é virada de ponta-cabeça ao utilizar-se de Thanos como fio condutor para o filme. Se o estúdio já foi muito criticado por seus vilões rasos, aqui ele é não só o cerne, mas o coração da trama. Através dele, o roteiro consegue se aprofundar em seus personagens centrais, trazendo um peso dramático inesperado para aqueles que aguardavam somente uma gigantesca pancadaria. Os dramas pessoais encontram espaço entre os jatos de luz coloridos, para que os golpes – principalmente os emocionais – sejam sentidos igualmente pelos protagonistas e pelos espectadores. Com todos os heróis devidamente apresentados ao longo dos últimos dezoito filmes, restava somente revelar a história daquele que já se estabelece como um dos vilões mais significativos do cinema. É sob esta perspectiva, que “Guerra Infinita” constrói seus núcleos narrativos: se todos os heróis do universo precisam combater a Thanos, então dele é o filme.
Dito isso, é crucial compreender que é inviável analisar o longa dentro de parâmetros convencionais de filmes de super-herói – ou mesmo de cinema. Ele se elabora como o ápice de uma história que a Marvel Studios sedimenta há uma década, e fica claro, desde os minutos iniciais, que está focado em cumprir a crescente promessa que vêm desde 2008. Esta capacidade narrativa de longo prazo, engrandece os esforços do estúdio, justificando falhas anteriores e mesmo tornando alguns de seus longas melhores em perspectiva. Apesar de uma limitação compreensiva de ritmo e fluidez, devido à escala que assumiu, em todos os sentidos, o filme consegue trazer explicações para antigas perguntas de fãs vorazes, enquanto engole audiências descompromissadas com ação ininterrupta e alívios cômicos que fazem jus ao seu nome, ainda conseguindo dedicar tempo de tela para escancarar as possibilidades para o futuro da franquia.
É desta forma que “Guerra Infinita” não se pretende um filme, mas um evento, sendo muito bem-sucedido em seu intento. Após uma jornada de bilhões de dólares investidos e muitos mais faturados, o universo Marvel encontra o seu fim – sendo este, claramente, apenas mais um começo.