Se a escolha por focar em Dwayne "The Rock" Johnson não é um erro por si só, o roteiro indeciso e o visual genérico certamente o são, tornando o longa uma série de filmes ruins concentrados em uma hora e quarenta minutos.
Dwayne “The Rock” Johnson é um fenômeno inegável. À parte de sua óbvia força física e de suas roupas imutáveis independente de em qual filme ele está, o astro mais bem pago de 2016 emplaca recorrentes sucessos de bilheteria – grande parte devido ao seu carisma -, de forma que seu rosto é presença constante em pôsteres nos cinemas mundo afora. “Rampage: Destruição Total” é mais um filme com “The Rock” interpretando ele mesmo, colocando os monstros gigantes em segundo plano em um longa de roteiro indeciso e repleto de oportunidades desperdiçadas.
O filme é uma sucessão de escolhas certas e erradas que se misturam para gerar uma obra confusamente divertido, preso em um limbo qualitativo entre boas sequências e outras desconexas e desnecessárias. Para contar esta história de um experimento de edição genética que dá errado e transforma animais em monstros gigantes com mutações bizarras, não é necessário, por exemplo, um prelúdio espacial que explica como essas amostras chegaram até os animais. Seria o mesmo que gastar tempo de “King Kong” tentando dar uma explicação científica para termos um gorila gigante em cena: além de descartável, não é para isso que o público veio. O roteiro, creditado a quatro pessoas, é tão desencaixado quanto se esperaria neste caso, com boas sequências sendo neutralizadas ou descartadas em prol de ideias ruins. Vários pontos iniciais de arcos dentro do longa são concebidos e esquecidos, de forma que cada cena parece ter sido escrita por uma pessoa diferente.
Um resultado desta torre mambembe que a obra se torna está principalmente nos riscos que ele tenta estabelecer. Como se monstros gigantes destruindo Chicago não fossem razão o suficiente para temor, “Rampage” tenta empurrar uma cientista maligna (Malin Åkerman, “Vestida Para Casar“) e seu irmão estúpido (Jake Lacy, “Carol“) como vilões, caricaturados à nível de antagonistas de séries dos anos 60 e com planos igualmente estapafúrdios e risíveis. Da mesma forma, os conflitos fabricados entre Davis Okoye (Johnson) e a doutora Kate Caldwell (Naomie Harris, “Moonlight – Sob a Luz do Luar“) são forçados, de forma que se torna um gasto de tempo dispensável para o filme.
Neste caos, destaca-se o agente Harvey Russel, de Jeffrey Dean Morgan (da série “The Walking Dead”), que dota de um carisma caubói o seu agente do governo, e consegue torná-lo tão divertido de ver em cena quanto o próprio protagonista – o que é constante, visto sua aparente onipresença na trama. Harris, premiada por “Moonlight“, tem um caráter estritamente funcional no filme, cumprindo sua função narrativa com sucesso, mas não tendo espaço para fazer além disso.
Outro fruto deste constante descartar de sequências boas esquecidas em prol de ideias ruins é a forma como diversos personagens são construídos e excluídos aleatoriamente do longa, fazendo com que seu tempo de cena se resuma em suas interações com The Rock. Além disso, algumas destas construções conseguem ser interessantes, tornando ainda maior o desperdício de deixá-las pelo caminho enquanto o filme – e o gorila albino gigante – continuam a crescer segundo ato afora. Esta crescente irrefreável de proporção e ação empurra a obra para sua consequência lógica: Davis “The Rock” Okoye só consegue ser útil e sobreviver no longa sendo invulnerável e imortal. O personagem, que começa como somente um especialista em primatas, termina cometendo atos de heroísmo que deixariam os roteiristas de “Velozes e Furiosos” tímidos.
Visualmente, o diretor Brad Peyton (de “Terremoto: A Falha de San Andreas“) deixa toda sua criatividade para o terceiro ato, fazendo jus ao título do longa com toda a sua fúria. Embora o final seja de fato intenso, a falha de desenvolvimento nos personagens e algumas das soluções fracas que o filme adota próximo ao seu fim descartam qualquer risco real para os envolvidos na ação. Assim como os conflitos de seus protagonistas, o design dos monstros deste projeto de Peyton é fraco e genérico, com diversas oportunidades perdidas de se fazer algo realmente marcante ou graficamente interessante. Da mesma forma, o 3D só é utilizado a contento na primeira sequência do filme, com diversas cenas que pediam pelo seu uso sendo ignoradas.
Ainda assim, nem tudo se resume a erros. A dinâmica estabelecida entre o personagem de Johnson e o gorila George é bem desenvolvida, trazendo à lembrança filmes como “Planeta dos Macacos: A Origem” e o “King Kong” de Peter Jackson. O macaco gigante é bastante carismático, mas os louros mais uma vez vão para The Rock, que consegue ser divertido até contracenando com um fundo verde. Além disso, quando a obra de fato é “destruição total”, ela o é sem medo de mostrar sua dose de sangue ou ser brutal quando necessário, mesmo com sua censura, não indicada para menores de 13 anos. Burlou-se bem os censores para conseguir trazer o caos que o filme merecia, e a violência contextualizada é satisfatória dentro da trama.
Isto posto, é comum que filmes blockbuster se defendam de suas falhas pela sua própria categoria, ao afirmarem-se como entretenimento puro, que, por esta lógica, estariam isentos da necessidade de fazerem sentido. Embora haja ressalvas para este argumento, as falhas de “Rampage” o colocam em uma posição estranha de ser um longa onde criaturas gigantes de computação gráfica, teoricamente o eixo principal da obra, são feitas pequenas para que um ator possa brilhar acima delas. Se isto não configura um erro por si só, o roteiro retalhado e desconexo certamente o é, fazendo com que muitas vezes fosse melhor excluir as tentativas de história e ter simplesmente os monstros se digladiando com a ajuda e o carisma de Dwayne Johnson. Tendo todos os requisitos para se encaixar no subgênero de “filme de monstro”, o longa escolhe se enquadrar como um “filme do The Rock”, colocando-o acima das suas criaturas, de forma que os combates entre elas parecem somente interlúdios no constante fluxo do astro demonstrando ser incrível. Em outras palavras, embora um filme razoavelmente divertido, “Rampage” tem falhas de roteiros demais para um longa que deveria ser simples, e monstro de menos para um filme-de-monstro, mostrando-se muito mais interessado em focar no ator de 1,96 metros e 120 quilos de músculos e carisma – de forma que, talvez, a obra só tenha escolhido adorar um monstro gigante diferente.