Sentir medo é a primeira relação do público com um filme de terror, mas dificilmente será a única se o trabalho for bom. John Krasinski coloca seu filme neste seleto grupo e faz isso com muita classe.
Terror não é um gênero simples de se trabalhar. É preciso conhecer as regras estabelecidas e estar disposto a romper com cada uma delas se o objetivo é criar algo novo. É necessário ainda compreender como o medo afeta as pessoas e como construir um cenário para o que está em tela ser minimamente plausível e gere algum tipo de empatia. Mas o mais importante é saber utilizar os recursos disponíveis para criar tudo isso.
“Um Lugar Silencioso” é um exemplo de como atingir a excelência dentro de um gênero, sem criar fórmulas mirabolantes. A trama é de uma simplicidade poética: algo aconteceu e quem fizer barulho morre. Embora essa única frase nos conte absolutamente tudo o que é preciso saber sobre o enredo, vamos um pouco além. O centro da trama engloba a vida de Evelyn (Emily Blunt, de “A Garota no Trem”), Lee (John Krasinski, da série “The Office” e que também dirige o filme) e seus três filhos em um mundo pós-apocalíptico.
Embora a beleza maior da obra esteja na simplicidade, isso está longe de significar pobreza, tanto narrativa quanto técnica, uma vez que a execução é realizada de forma brilhante. Não há uma tentativa de ser mais do que um filme de terror, no contexto explicado acima. Ao mesmo tempo, é desta despretensão que o roteiro tira seus momentos mais intensos, seja na perda de uma pessoa importante, na falta de um contato mais íntimo, ou ainda no que as pessoas precisam abrir mão para seguir em frente. Para sobreviver, você precisa sacrificar a vida como você sempre a conheceu.
Outro benefício da simplicidade do longa é evidenciado na agilidade, tanto do roteiro quanto da direção. No primeiro caso, é particularmente agradável observar como o filme não só evita criar contextos desnecessários, mas se preocupa em espalhar informações que complementam a história pela tela. São recortes de jornais cujas manchetes falam o que é necessário (sem nunca deixar claro se isso tem alguma relação direta com o que está acontecendo, apenas sugerindo), ou na casa da família, onde um quadro nos avisa o que precisamos saber sobre as criaturas.
Com relação à direção, John Krasinski demonstra conhecer o gênero como poucos na atualidade. Desde a primeira cena, a história é contada de maneira fluida, se aproveitando de um roteiro inspirado para criar um conceito de terror. Enquanto a sequência inicial, por exemplo, nos remete a filmes de zumbis, o segundo ato brinca com os conceitos do terror cósmico de Lovecraft. Mas mesmo passeando por todos estes pontos de vista, tudo é bastante coeso, a diferença é notável apenas como um detalhe, algo que reforça a forma como o diretor está tranquilo no comando da produção.
Esses detalhes já colocariam o filme num patamar muito acima da média, mas ainda somos agraciados com toda a parte sonora. Num mundo onde não é possível emitir qualquer tipo de ruído, o som torna-se um privilégio perdido, onde qualquer barulho, por mais simples que seja, tem impactos imensos o tempo inteiro. Quando tomamos o susto inesperado (mas não óbvio) no início, o clichê sugere que depois do abalo o perigo já passou. Mas aqui temos justamente o efeito contrário, pois é o ruído que anuncia o surgimento do perigo, criando assim um clima forte de tensão, afinal as criaturas são atraídas pelo som.
Além de tudo já citado, o filme consegue ir ainda mais fundo na sua relação com a perspectiva sonora das cenas, a qual varia conforme as personagens. Quando a filha do casal – que é surda -, Regan (Millicent Simmonds, de “Sem Fôlego”), está em evidência, não é possível ouvir nada. Em determinado momento, Evelyn está usando fones e ouvindo uma música que cresce conforme ela aproxima o aparelho da orelha de Lee, que é quem o público acompanha no momento. Dessa forma, o som ganha ainda mais importância, pois nunca é possível prever se a ameaça está se aproximando ou se afastando de determinada personagem.
Esses pequenos detalhes vão se destacando ao longo da obra, principalmente quando o roteiro estabelece que o perigo é real, assim comos suas consequências. E é neste momento que o elenco surge para se destacar. O núcleo familiar, que concentra basicamente todas as personagens (afinal, estamos acompanhando apenas um pequeno grupo, mesmo que o filme indique a existência de outros e que eles se comunicam de alguma forma), precisa interagir de forma intensa, principalmente quando falar está fora de cogitação. E por mais que todos sejam convincentes, é Emily Blunt quem merece o destaque, pois até seu olhar é suficiente para transmitir o medo ou a tristeza, conforme a cena em questão exige.
“Um Lugar Silencioso” é uma verdadeira pérola do cinema. Trata-se de um terror que extrapola o próprio gênero, cria situações dramáticas críveis e sequências de tensão absolutamente angustiantes. Não é óbvio e oferece soluções plausíveis e inteligentes para o contexto apresentado. Um filme que exige uma experiência de envolvimento com o público para que o medo possa ser tão sentido quanto visto. Por isso, não se surpreenda se você se pegar respirando o mínimo para não fazer barulho, igual aos atores em cena.