Uma viagem sensorial, nostálgica e emotiva, que traz de volta à luz a veia cativante suprema do mestre Steven Spielberg.
Muito se fala sobre o momento atual na carreira brilhante do diretor Steven Spielberg. Gênio por trás da criação de “ET – O Extraterrestre”, “Tubarão”, “Contatos Imediatos de 3° Grau”, “Jurassic Park” e mais uma infinidade de títulos inesquecíveis, de uns tempos para cá, ele vem mostrando um certo cansaço em sua filmografia, gerando até uma espécie de desconfiança com seus novos projetos – vide o fracasso comercial e de público de “O Bom Gigante Amigo”. Nó ótimo documentário “Spielberg”, da HBO, o próprio diretor comenta que o nascimento de seus filhos e a formação de sua família atual influenciaram em seu cinema, que acabou ficando mais pragmático e até menos corajoso. Graças aos deuses da sétima arte, em “Jogador N° 1”, o Spielberg “adormecido” reaparece e ousa mais uma vez, trazendo de volta a fantasia e a emoção genuína que tornam suas obras clássicas tão únicas.
Em um futuro desordenado, onde a pobreza e a falta de recursos impera, uma realidade virtual se torna a fuga perfeita para bilhões de pessoas ao redor do globo. O Oasis é um verdadeiro universo onde você pode ousar ser quem quiser e fazer o que bem entender, desde que possa bancar por isso. Wade Watts (Tye Sheridan, de “X-Men: Apocalipse”) é um adolescente que, assim como o resto dos usuários do sistema, sonha em ficar “triliardário” com a fortuna deixada pelo criador nerd do jogo, James Halliday (Mark Rylance, de “Jogo de Espiões”), em uma espécie de caça ao tesouro, onde quem encontrar as três chaves escondidas, automaticamente torna-se o novo dono da empresa que o suporta. Ao mesmo tempo, a rica e poderosa IOI, com seu ambicioso patrono Sorrento (Ben Mendelsohn, de “Rogue One: Uma História Star Wars”), fazem de tudo para chegar ao prêmio e comandar essa realidade paralela de uma forma que lhes tragam ainda mais lucro.
Baseado no livro homônimo do escritor Ernest Cline, que também assina o roteiro do longa junto com Zak Penn (“Os Vingadores”), o filme é muito honesto e simples em seu claro objetivo: divertir. Com uma história acessível e personagens fáceis de se conectar, a obra é refrescante por ser inventiva nos meios que utiliza para conquistar o público. Em um mundo repleto de tramas e ferramentas narrativas usadas à exaustão, é apostando no carisma do universo que Spielberg consegue contar pela centésima vez a história de um herói buscando seu sonhado tesouro. Afinal, no Oasis, todo mundo pode ser tudo e a Warner conseguiu disponibilizar para o diretor uma infinidade inacreditável de marcas, personagens e paisagens absolutamente incríveis do mundo pop.
Se no livro já era difícil acompanhar todas a referências que o escritor nos apresentava na representação de seu mundo, no longa é absolutamente impossível descobrir todas elas em apenas uma assistida. O mais interessante desta interatividade entre marcas de diversos estúdios e de várias épocas é que elas nunca soam gratuitas. Em nenhum momento você sente alguma “forçação de barra” entre as milhares de interações dos personagens com estas referências externas, mesmo que a aparição imprevista de algumas delas não nos cause algum tipo de emoção ímpar. Em certo momento, no segundo ato do longa, existe uma espécie de referenciação máxima, onde toda a atmosfera de um clássico imbatível do cinema surge na tela assim, de surpresa, e o resultado é uma espécie de excitação e frenesi na plateia pouco visto em qualquer filme dos últimos tempos.
O transporte das invenções narrativas de Cline para o mundo audiovisual do cinema impressiona. A viagem que Spielberg nos proporciona ao adentrar pela primeira vez no Oasis é sensacional. Criada como uma realidade virtual sem limites, com efeitos especiais de tirar o fôlego, o diretor brinca com a nossa percepção o tempo todo e traz de volta a necessidade e a utilidade dos famigerados óculos 3D, algo visto pela última vez apenas no também extremamente imersivo “Avatar”.
E se Spielberg entrou de cabeça no mundo dos elementos alegóricos visuais de várias épocas e estilos, que vão de games como “Battletoads”, até longas mais novos, como “Esquadrão Suicida”, na parte auditiva ele simplesmente esbanja. Seja na recriação de efeitos sonoros sensacionais de personagens clássicos, como o Tiranossauro, seja na escolha caprichada das canções incidentais no estilo oitentista, tudo funciona da maneira mais orgânica e divertida possível. Destaque máximo para o compositor Alan Silvestri, que além de criar novos temas impressionantes para o longa, não titubeou em revisitar algumas de suas obras mais incríveis.
Existem alguns pequenos problemas em “Jogador N° 1”, como o excesso de diálogos e narrações explicativas, assim como alterações no texto original do livro que deixam o plot e os vilões simplórios demais. Algumas piadas fora de lugar e personagens mal desenvolvidos, como a própria Art3mis (Olivia Cooke, de “Ouija: O Jogo dos Espíritos”), protagonista feminina do longa que teve as suas motivações “capadas” na adaptação, fazem com que a história não cause a urgência que ela deveria ter – afinal, se os heróis não salvarem o Oasis, o mundo poderia simplesmente acabar! Porém, são falhas muito pequenas perto da experiência sensorial e emotiva que o velho Steven e sua nova obra provocam.