Apesar de tratar a cegueira de uma forma eficiente, o longa peca pela história fraca e pelos personagens desinteressantes, perdendo a oportunidade de marcar os espectadores de uma forma positiva.
Contar uma história no cinema está longe de ser uma tarefa fácil. Enquanto uns optam pelo seguro, seguindo fórmulas já consagradas de fazê-lo, outros preferem se arriscar, apostando na inovação como diferencial. Edição fora do comum, montagem diferente, mudança em aspectos visuais e sonoros… existe todo um prisma capaz de proporcionar uma nova experiência ao espectador. Embora “Por Trás dos Seus Olhos” prefira o caminho da variação, seu maior erro é esquecer-se da necessidade primordial de qualquer filme: uma narrativa interessante.
A trama gira em torno do casamento de Gina (Blake Lively, de “Café Society”), que ficou cega após um acidente na infância, e James (Jason Clarke, de “A Maldição da Casa Winchester”), que se divide entre trabalhar e cuidar da esposa. Ambos parecem levar uma vida pacata e passional, mesmo com as limitações da falta de visão de Gina e a vida em um país desconhecido (Tailândia), após uma promoção no emprego de James. Porém, o cotidiano do casal acaba mudando quando um procedimento cirúrgico restitui a visão do olho direito de Gina, alterando completamente sua percepção tanto do mundo ao redor quanto do seu próprio casamento.
Por diversas vezes somos colocados no ponto de vista da protagonista, onde sua cegueira é retratada de forma muito real, ocasionando uma belíssima experiência sensorial e psicodélica. Quando temos a mesma visão que ela, percebemos ao mesmo tempo o quanto Gina é solitária e como ela precisa usar sua imaginação para vencer as limitações impostas pelo acidente. Também presenciamos experiências bastante assustadoras, especialmente em lugares com muitas pessoas, onde a participação do design de som é memorável. Até quando a câmera sai do ponto de vista dela, a solidão continua em destaque, com diversos planos onde a personagem aprecia o seu mundo, e tomadas com longos silêncios, mesmo quando ela interage com o marido. Tudo isso é necessário para tornar críveis as reações de Gina após recuperar sua visão, redescobrindo aquele universo em que vive.
De fato o longa trabalha para fazer a experiência sensorial da protagonista e do público funcionar, mas apenas isso não é o suficiente para manter o interesse na narrativa. Por mais que estejamos o tempo todo acompanhando a rotina do casal, praticamente não somos apresentados a nenhum outro fato que construa melhor a relação deles. Embora deixe a compreensão de alguns elementos implícita ou destinada aos espectadores, o diretor Marc Forster (“Guerra Mundial Z”) não se dá ao trabalho de explicar a origem ou as causas de diversas cenas que deveriam aprofundar os personagens, resultando em personalidades rasas e com pouca motivação. Além do mais, é visível o quanto o filme demora para chegar a algum lugar, passando mais de uma hora sem sequer superar o plot proposto na sinopse.
Com boa vontade, é possível concluir que a premissa do roteiro tem muito potencial, mas é visível o quanto a obra falha em trabalhá-lo, apenas arranhando muitos dos conceitos que poderiam ser utilizados com mais cuidado. É o caso da independência de Gina, que a faz sentir novos desejos e causa um sério desconforto em seu marido. Esta talvez seja a ideia mais rica da história, mas que passa a ser explorada de forma tardia e, pouco depois, esquecida em prol de uma mudança súbita de gênero do longa e de um plot twist que, embora seja interessante, não salva o restante da obra. Ainda precisamos aceitar vários outros pontos sem motivo aparente, como a obsessão de James por sua esposa ou muitas das cenas de sexo gratuitas – uma em especial repetida várias vezes, causando uma sensação tão estranha quanto a persona do cunhado de Gina, Ramon (Miquel Fernández, da série “Blindspot”).
Com um argumento atraente e uma tentativa de inovar ao contar uma história, “Por Trás dos Seus Olhos” tem algum mérito. Entretanto, personagens desinteressantes somados à problemas de ritmo e foco, acabam culminando em uma narrativa sem valor, algo impossível de corrigir apenas na forma de transmitir a mensagem.