O filme que consegue desrespeitar o terror gótico dos anos 1970 e, ao mesmo tempo, falha em ser uma novidade para obras com mansões mal-assombradas.
O terror é um gênero que constantemente se recicla. E precisa disso, afinal, filmes que assustaram uma geração, podem não ter o mesmo impacto, anos depois. Revitalizar o estilo é fundamental para mantê-lo relevante e atual. A proposta de “A Maldição da Casa Winchester” poderia se encaixar nessa atualização. Depois de décadas com longas sobre mansões mal-assombradas, já é tempo de alguma novidade. Porém, a obra não consegue ir além das convenções.
Dirigido pelos irmão Spierig (“Jogos Mortais: Jigsaw”) a trama conta a história de Sarah Winchester (Helen Mirren, de “Velozes e Furiosos 8”). Herdeira da tradicional fábrica de armas Winchester, ela vive numa mansão que acredita ser amaldiçoada pelas vítimas dos rifles produzidos pela família, e para contê-los, constrói cômodos novos. Quando a situação parece fugir do controle, acionistas da empresa decidem enviar o médico Eric Price (Jason Clarke ,de “Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi”) para garantir que Sarah não está insana.
Michael e Peter Spierig vem tentando se firmar no cinema como novos nomes dentro do gênero de terror. Aqui, a tentativa parece promissora durante o primeiro ato. Primeiro porque não é preciso muito esforço para acreditar que a casa em questão é mal-assombrada. Sua imensidão é incômoda, e quando Price chega no local, a montagem é eficiente em demonstrar como a residência é complexa. A câmera passeia pelos cômodos e corredores, dando uma estranha noção de inferioridade da personagem num ambiente grande e confuso. Numa curta cena, o médico está sendo levado até seu quarto e a câmera é posicionada no teto para mostrar como uma simples escada tem uma aparência obscura.
Mas tudo isso se perde quando Price começa a viver a rotina da mansão. Os próprios diretores parecem não ter mais interesse em utilizar o potencial e explorar melhor os cômodos. O público se acostuma com os locais ou nem chega a sentir medo dos ambientes e o conceito de uma residência com centenas de repartimentos é irrelevante, uma vez que uma pessoa recém-chegada consegue transitar sem nenhum risco de se perder.
Enquanto isso, Helen Mirren não consegue demonstrar os horrores que a situação sugere. Seu visual remete à uma viúva num eterno sentimento de luto, talvez pelos mortos, mas isso não fica muito claro, evidenciando ainda mais a pobreza narrativa do roteiro. Mas suas atitudes não demonstram que ela realmente se importa com o que está acontecendo. A personagem se comunica com os mortos para projetar os novos cômodos, mas isso não parece despertar o interesse dos Spierig para desenvolver a ideia. São conceitos plantados pelo roteiro e ignorados nas cenas seguintes, numa tentativa desesperada de tentar acertar em algum momento.
Deixando de lado o medo construído a partir da ironia, o filme opta por abraçar o susto por si só – um recurso igualmente válido dentro do gênero -, apostando, para isso, em duas abordagens que indicam jumpscares. A primeira é o silêncio, seguido pela ênfase em determinado objeto ou em alguma repetição, como na cena em que Price está no quarto e o espelho vira sozinho algumas vezes. A outra aposta está na fotografia, mostrada quando o longa se aproveita dos diversos elementos da arquitetura eclética, esta que utiliza uma mistura orgânica de diversos estilos. O diretor de fotografia Ben Nott (“O Predestinado”) oscila entre interiores barrocos muito bem iluminados quando não quer tirar a atenção do público para algo possivelmente suspeito. Porém, quando a intenção é assustar, a fotografia escurece consideravelmente (nenhuma novidade para o gênero, diga-se), apostando no visual gótico que alguns cômodos recriam. O resultado são cenas previsíveis com sustos eficientes, porém pouco memoráveis. Ao final da obra, não há a muito do que se lembrar.
Contudo, o principal problema do longa está na forma inconsequente como trata do próprio conceito de terror. Ao mesmo tempo que o roteiro se apega aos clássicos contos que abordam um medo mais gótico sobre assombrações, há uma tentativa de criar uma história paralela envolvendo possessão, algo mal explorado e que tira o foco principal do filme. As almas que habitam a mansão deixam de ser uma ameaça e, de forma inexplicável, se envolvem na resolução da trama com um dos piores deus ex-machina que o cinema já conseguiu criar.
A consequência é que a ideia dos espíritos é irrelevante para a trama. Eles querem estar ali, mas não se sabe exatamente o motivo. E como apenas um deles realmente possui interesse em causar mal à família, os demais acabam se tornando irrelevantes, sendo facilmente ignorados pelo público. A revelação, numa tentativa frustrada de plot twist, é previsível, apesar de bem trabalhada ao longo do filme.
“A Maldição da Casa Winchester” poderia oferecer novas possibilidades para um conceito clássico do terror. A ideia de casas mal-assombradas é fascinante, mas o risco de se cair em clichês previsíveis é igualmente alta. Os irmãos Spierig tiveram a oportunidade de criar um novo clássico, porém fizeram apenas mais um longa com sustos fáceis e uma história ruim.