Numa Berlim futurística, um potencial é jogado no lixo pelo roteiro incoerente e pela direção, que não decide qual história deseja contar.
O cyberpunk tem se mostrado cada vez mais como o subgênero favorito do cinema de ficção científica. Muito além do futurismo distópico, pintado com o neon das ruas noturnas, o estilo está mais atual do que nunca. Somam-se a isso as inúmeras discussões possíveis de serem abordadas e a vantagem de, com um necessário toque de criatividade, poder extrapolar, criar novos conceitos tecnológicos e mesclar tudo em um universo possível e assustador. Pouco disso, porém, está presente em “Mudo”.
O mais recente filme de Duncan Jones (“Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos”) acompanha Leo (Alexander Skarsgård, de “A Lenda de Tarzan”), um amish que perdeu as cordas vocais quando criança, o que o impede de falar. Quando sua namorada, Naadirah (a alemã Seyneb Saleh), desaparece repentinamente, Leo começa a juntar pistas e parte numa caçada, envolvendo-se com mafiosos numa Alemanha futurista.
Desde o ligeiro prólogo até a última cena, “Mudo” é uma soma de plots e subplots pouco explorados (quando não ignorados) que se perdem, inclusive na narrativa principal. A montagem do filme é eficiente em ignorar o protagonista, dando valor para ideias que não são desenvolvidas ou que finalizam sem acrescentar qualquer elemento novo para a história. Quando Leo ressurge, sua busca o leva para uma nova pista, criando um ciclo cujo único objetivo é retornar ao ponto inicial da trama, algo que poderia ter valor, não fosse a previsibilidade do roteiro e as consequências forçadas (beirando ao Deus ex machina) para chegar em algum lugar.
O roteiro é, na sua essência, medíocre ao tentar explorar as possibilidades oferecidas. Leo é um amish que vive em uma sociedade altamente tecnológica. É uma cena bonita de se ver quando ele se senta de costas para a televisão enquanto toma um café (apesar da tomada perder seu efeito quando o conceito é explicado), porém o conflito entre a fé e o que ela fez com Leo, assim como a tecnologia são esquecidos ainda no início do filme, quando o protagonista nem exita em dirigir um carro.
O núcleo secundário, envolvendo os médicos Cactus Bill (Paul Rudd, de “Uma Noite de Loucuras”) e Duck (Justin Theroux, de “Star Wars: Os Últimos Jedi”) torna-se mais interessante que a demanda do protagonista. Isso, principalmente, pelas boas atuações de Rudd e Theroux, visto que suas personagens deixam pistas de personalidade ignoradas e um passado pouco explorado. Duck, por exemplo, esconde um segredo que quando descoberto é ignorado, servindo apenas para criar uma tensão ilógica no último ato. A pobreza narrativa utilizada para abordar o tema transforma a discussão que poderia ser gerada em um simples desenvolvimento raso de personagem.
Há, porém, fragmentos de beleza técnica na construção, principalmente pela trilha sonora, que surge em momentos pontuais, como quando uma caixa de música começa a tocar Heart-Shaped Box no quarto de uma criança, construindo um diálogo com a cena. Da mesma forma, a fotografia de Gary Shaw (“Lunar”) reforça a ambientação futurista, algo essencial quando se opta pela temática cyberpunk. Tudo isso, porém, é ofuscado por um roteiro que não conversa com os diversos elementos audiovisuais.
Havia uma boa expectativa para o lançamento de “Mudo”, principalmente por se tratar de uma sequência de “Lunar” (também de autoria de Duncan Jones), que é eficiente na construção de um universo futurista. Porém, tudo o que acontece aqui vai no caminho oposto – a forma como o vilão muda de personalidade no final, sem que isso fosse ao menos sugerido, é revoltante. O resultado é um filme raso narrativamente, que depende demais do visual (mal explorado) e de atuações eficientes, mas que não são suficiente para salvar a obra.