Sustentando-se num evento emblemático, o longa mostra que é possível fazer um filme fascinante sem transformar o desporto num simples cenário.
“Se podes encarar com indiferença igual, O triunfo e a derrota, eternos impostores…”. Este trecho do poema If, de Rudyard Kipling, está estampado na entrada da quadra principal onde se realiza o torneio de Wimbledon, um dos principais campeonatos de tênis do mundo. A ideia de que o esporte é muito mais do que ganhar ou perder está bem presente em “Borg vs McEnroe”, mas seu maior mérito é entender que o desporto tem seu brilho próprio, não precisando ser sempre o pano de fundo de uma história maior.
A trama acompanha a vida e a famosa rivalidade entre dois dos melhores tenistas da história: o sueco Björn Borg, extremamente frio e calculista, e o americano John McEnroe, igualmente brilhante, porém mais conhecido pelo temperamento explosivo. Ambos protagonizaram, dentre várias outras finais, a decisão do torneio de Wimbledon de 1980, conhecida como um dos eventos mais emblemáticos da história do esporte mundial e ápice da narrativa do longa.
O filme começa abordando as origens de ambos os jogadores. Somos apresentados às versões mais jovens dos tenistas, que mostram um comportamento surpreendentemente oposto ao que veremos no futuro, nas quadras. Neste ponto, a persona de Borg (interpretado pelo próprio filho do tenista real, Leo Borg, explicando a visível semelhança) foi muito melhor aproveitada, tendo todo o tempo necessário para mostrar como um jovem de comportamento tão furioso se tornou uma pedra de gelo de sentimentos (daí o apelido “IceBorg”). Já o desenvolvimento de McEnroe teve foco maior em alguns anos antes da fatídica partida, onde vemos o atleta frequentando festas, porém sempre com a mente centrada no esporte.
É interessante notar que o drama presente é parte fundamental na cinebiografia, mas este sempre está atrelado à disputa do campeonato. O diretor Janus Metz (da série “True Detective”) usa sabiamente a interessante história pregressa dos dois tenistas para dar todo o peso e emoção necessários para a tão esperada partida final. Ele também toma o cuidado de não ignorar completamente o espectador leigo no assunto, usando artifícios simples de forma inteligente, como a presença de um narrador esportivo ou o constante aparecimento do placar em tela. Embora a montagem apele para uma narrativa não-linear, constantemente mudando tanto o personagem focado quanto o tempo em que a cena se passa, os eventos são muito bem alinhados, conseguindo desenvolver os dois tenistas de forma imparcial, deixando que o público decida para quem torcer.
Aliás, é válido destacar as ótimas atuações dos dois protagonistas. Sverrir Gudnason (“Monica Z”), além de ter uma semelhança física impressionante, entrega um Borg visivelmente afetado pela pressão de vencer, com as emoções extremamente retraídas, se prendendo aos mais diversos tiques e manias para se controlar. Já Shia LaBeouf (“Corações de Ferro”) capta de forma brilhante o espírito de McEnroe, temperamental, mas sempre exigindo demais de si mesmo, considerado pelo próprio ator uma pessoa “incompreendida”. O tenista também era sempre questionado mais pelo comportamento do que pela jogabilidade, algo ironicamente comum também na vida do ator que o interpreta. Além disso, o trabalho de assimilar os trejeitos dos competidores, desde a maneira de empunhar a raquete, até mesmo ao jeito de tomar água, é impressionante.
Toda essa construção de personalidades culmina em um terceiro ato espetacular. É neste momento que o filme se prova ser feito não só para fãs do tênis, mas para amantes do esporte em geral. Tendo colocado apenas algumas tomadas durante o resto do longa, o diretor foi muito corajoso ao reservar bastante tempo de tela exclusivamente para a partida final. Ao abusar de uma edição dinâmica e com muitos cortes, ritmo acelerado na medida certa, câmeras nos mais diversos lugares e, sobretudo, uma trilha sonora perfeita para cada momento, Metz consegue transpassar uma emoção fascinante, atingindo tanto quem sequer conhece as regras do tênis, como os que prestigiam este esporte constantemente, reconstruindo todo o leque de sensações de uma decisão de campeonato.
“Borg vs McEnroe” é quase um registro documental de duas das maiores personalidades do tênis e de, talvez, o acontecimento mais marcante do desporto em geral. Embora trate-se de um evento ocorrido há quase quarenta anos, a emoção de reviver uma disputa tão acirrada, ainda mais conhecendo todo o background dos participantes, é indescritível. A obra é a prova irrefutável de que o esporte, por si só, tem histórias suficientemente emocionantes e instigantes para sustentar um longa de qualidade.