Em sua estreia como diretor, Aaron Sorkin usa de seu talento para adaptar histórias técnicas e nos presenteia com umas das mais relevantes protagonistas femininas dos últimos tempos, além de um excelente filme sobre pôquer.
Basta observar o currículo de Jessica Chastain para perceber que ela não é mais uma atriz em ascensão, mas sim uma das maiores estrelas do cinema em atividade. Com apenas dez anos de carreira, ela já acumula duas indicações ao Oscar (por “Histórias Cruzadas” e “A Hora Mais Escura”), além de ter sido nomeada a cinco Globos de Ouro nas últimas sete edições, tendo vencido um. Além de tudo isso, a atriz ainda é bastante engajada na luta contra a discriminação sofrida pelas mulheres e pelas minorias em Hollywood, assim como costuma escolher bem seus papéis, a fim de inspirar e empoderar. Dito isto, não havia escolha mais acertada para interpretar a protagonista de “A Grande Jogada” do que Chastain, em um dos papéis femininos mais notáveis da história.
Baseada na vida de Molly Bloom, ex-esquiadora olímpica forçada a abandonar a profissão após um improvável acidente, a trama a acompanha em dois momentos: sua ascensão dentro do mundo do pôquer, desde um pequeno barzinho onde trabalhava como garçonete até uma luxuosa cobertura contando com a presença de diversas celebridades; e como ela precisou enfrentar as consequências de gerenciar os jogos após ser presa por envolvimento com a máfia russa.
Como era de se esperar, a personagem de Chastain é intensa e forte, além de extremamente profunda e bem desenvolvida. Somos apresentados aos momentos mais relevantes da vida da ex-esquiadora, desde a infância complicada, devido a pouco afeto e muita cobrança de seu pai, Larry (Kevin Costner, “Batman vs Superman”), passando por seu treinamento exaustivo, até sua entrada neste mundo predominantemente masculino do pôquer. Mostrada desde o início como dona de uma inteligência e perspicácia fora do comum, Molly jamais se envolve romântica ou sexualmente com os jogadores, precisando resistir à todas as provocações, xingamentos e tentativas de manipulação dos homens. Toda essa resiliência, mostrada em uma atuação formidável de Chastain, culmina em uma cena assustadoramente chocante na transição do segundo para o terceiro ato.
O longa marca também a estreia do oscarizado Aaron Sorkin (“A Rede Social”) na direção, além de assinar a adaptação do livro escrito pela verdadeira Molly. Quando roteirista, ele ficou conhecido por usar uma linguagem técnica, porém compreensível, ao ajustar histórias reais envolvendo temas não tão comuns para o grande público. Em “A Grande Jogada”, além de brilhar ao explicar jogadas e termos específicos do pôquer de uma forma muito dinâmica, Sorkin insere a narração voice over de Chastain – cuja voz tem o peso perfeito para tal – nos momentos referentes ao passado da protagonista. Como se Molly estivesse, de fato, lendo seu livro para o público, o artifício é bastante eficiente em articular os fatos e ajudar a construir a narrativa.
Outro ponto de destaque no filme é a dinâmica entre Molly e seu advogado, Charlie Jaffey (Idris Elba, “Thor Ragnarok”). A parceria, que marca a cronologia onde a personagem precisa se defender na justiça após ser presa e ter seu dinheiro confiscado, rende diálogos maravilhosos, ora cheios de acidez, ora repletos de ternura. Além de uma cena questionável em um ambiente jurídico logo no primeiro ato, a motivação de Charlie em defender a ré, que não fica explícita de cara, tende a ser estranha. Mas a relação construída entre eles ao longo da história é tão real, que até dispensaria o futuro esclarecimento.
Sorkin também se utiliza da edição para aperfeiçoar ainda mais o longa. Apostando em um ritmo bem acelerado, a obra conta com muitos cortes e tomadas rápidas, fazendo com que as mais de duas horas de duração nunca se tornem cansativas. No entanto, em favor da execução veloz, algumas das complicações em que Molly se envolve em sua jornada acabam se resolvendo rápido demais e com poucas explicações. Mesmo que a competência da personagem seja sempre enfatizada, esse problema pode acabar incomodando. Já o didatismo associado à edição, embora controverso quando parece duvidar da capacidade do público, neste caso funciona muito bem nos dois primeiros atos, porém acaba se perdendo na urgência de explicar todas as pontas soltas no terceiro ato.
“A Grande Jogada” é um drama criminal ambientado em uma realidade distante de muitos, porém, graças à Aaron Sorkin, compreensível por todos. Mas, antes de tudo isso, o longa é a cinebiografia de uma personagem feminina poderosa e marcante, que representa toda a resistência e capacidade de superação das mulheres.