Sem inovações ou fortes emoções, o filme de Greta Gerwig tem um roteiro sensacional e atuações ótimas, unidos a uma técnica competente, não precisando de mais para encantar.
Amadurecimento e passagem para a vida adulta: em inglês, filmes sobre esses temas são chamados “coming-of-age”, tendo como exemplo recente o maravilhoso “Boyhood: Da Infância à Juventude”. “Lady Bird – A Hora de Voar” é mais um aprazível conto desse tipo.
A protagonista do longa é Christine McPherson (Saoirse Ronan, de “Brooklin”), adolescente de personalidade forte que, terminando o ensino médio, cansada da vida em Sacramento, deseja ir para uma faculdade distante. Para atingir seu intento, Lady Bird – nome dado a ela por si mesma e pelo qual exige ser chamada – precisa tomar as providências necessárias e enfrentar sua rígida mãe, Marion (Laurie Metcalf, da série “The Big Bang Theory”). Enquanto isso, ela também vivencia o que esse período lhe reserva.
O roteiro da película é extraordinário, bastante inventivo e deveras inteligente ao partir da premissa segundo a qual “menos é mais”. Uma grande engrenagem narrativa do plot é a relação da protagonista com seus pais: de um lado, um pai afetuoso e que faz suas vontades; de outro, uma mãe cuja manifestação de carinho é cobrar muito da filha e não querer que ela se afaste da família. A identificação cinematográfica secundária para as moças provavelmente funciona impecavelmente. Lady Bird sabe que Marion a ama (e reconhece isso para o namorado), apenas tem uma genitora rígida justamente por amá-la bastante. A questão financeira ganha relevo: enquanto a filha gostaria de ter melhores condições, a mãe quer mostrar que a família está em dificuldades.
Entre amor platônico aluna-professor, mercado de trabalho, virgindade e futuro acadêmico, o texto encontra espaço para apontar o quão importante é o círculo de amizades de um adolescente. Quando Lady Bird começa a andar com Kyle (Timothée Chalamet, de “Me Chame Pelo Seu Nome”), ela muda muito, perdendo o que tem de mais potente, que é justamente a sua personalidade. Quando está com Danny (Lucas Hedges, de “Manchester à Beira-Mar”), pode ser quem realmente é; com Kyle, precisa mudar as amizades e fingir ser quem não é. Isso é reflexo dos dois garotos, que também são muito diferentes: Kyle tem mais atitude, Danny é mais ingênuo; este se dedica à atuação e é próximo à família (costuma estar acompanhado), aquele é independente e amadurecido (é mais solitário). O visual dos dois também é oposto: Danny tem cabelo mais claro e curto, Kyle tem cabelo escuro e longo; enquanto este usa roupas mais escuras e despojadas, aquele tem estilo mais formal e “certinho”.
O romance entre Danny e Lady Bird é meigo graças à palpável química entre Ronan e Hedges. Enquanto personagem, Kyle é menos desenvolvido que Danny, pois este tem um arco dramático bem delineado. O roteiro, acertadamente, não aprofunda nessa parte, pois formaria uma segunda narrativa dentro do plot. Danny aparece na medida ideal, afinal, o filme é da Lady Bird. Essa não é a primeira vez que Ronan brilha como a grande estrela de uma produção, porém, quando está em cena com Metcalf, o embate é de muita qualidade: as duas estão excelentes em seus papéis. A primeira, explosiva, é a típica adolescente revoltada e rebelde; a segunda, implosiva, atua no perfil da mãe que sabe o que é melhor para a filha. Arquétipos conhecidos, mas o enfoque feminino não costuma ser abordado.
O mérito é de Greta Gerwig (“Nights and Weekends”), roteirista e diretora da obra, cujo tato para simbolismos é fundamental no longa, a começar pelo seu nome, em sua ideia (metáfora da dama pronta – madura – para exercer a própria liberdade) e em sua exposição (as letras usadas no nome do filme evocam a religiosidade que nele está presente). Em uma escola (fervorosamente) católica, propositalmente surgem alguns paradoxos: para Gerwig, “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”. Mesmo a cor do cabelo da protagonista é reflexo da sua personalidade ardente. Com elipses orgânicas, a narrativa se torna mais natural, pois a passagem do tempo é absorvida pelo contexto. Idolatrando a protagonista, a cineasta lhe dá uma entrada triunfal, sem deixar de lado sua humanidade, deixando Saiorse Ronan sem maquiagem, contrapondo a sua pele com a de outra atriz, bronzeada, como se ela fosse feia. A ideia é fazer de Lady Bird a representação da garota comum.
Gerwig não inovou com seu filme, uma comédia dramática sem fortes emoções, que tecnicamente é muito bom, mas ainda que distante de maravilhar. Contudo, “Lady Bird” tem um roteiro sensacional e atuações ótimas, unidos a uma técnica competente. Não precisou de mais para encantar.