Um filme que vem, com muita qualidade, para lembrar que o cinema é capaz de apaixonar e engajar, sem precisar dividir o seu público.
Alguns filmes têm o poder de polarizar opiniões. Entre o ódio e a paixão, muitas películas entram para a história somente pela capacidade que exercem em separar aqueles que os vêem em dois grupos opostos, de forma que “inofensivo” se torna uma palavra execrável. “As Aventuras de Paddington 2” vai na absoluta contramão disso. Inesperado e divertido, é um filme simpático por natureza, sendo inviável não notar ou não se deixar afetar pelo quão agradável ele é
No longa, o urso mais amado da Inglaterra quer dar um livro 3D de presente para sua tia. Sem recursos, Paddington (voz de Ben Whishaw, “007 Contra Spectre“) começa a fazer trabalhos pontuais para juntar o dinheiro e acaba envolvido em uma intriga gigantesca, da qual só sairá com a ajuda de sua família e amigos – tanto os antigos, quanto os novos que faz durante sua aventura.
O filme dirigido por Paul King, que também comandou o primeiro longa, se apresenta como o ápice do “entretenimento para a família”, no bom sentido, utilizando-se de estilos diferentes de comédia e caminhos repentinos no roteiro para alcançar este efeito. Da comédia pastelão, de cunho físico, ao sutil humor britânico, há algo para todos os gostos durante os 100 minutos da cintilante obra.
E se a comédia faz o papel da inclusão, o roteiro se encarrega de levar a audiência por caminhos que não são comuns para filmes infantis. Embora não seja necessariamente ousada, a trama se torna interessante mesmo para adultos quando faz escolhas que fogem do óbvio, colocando o ursinho em situações que, embora não imprevisíveis, certamente são inesperadas. Dentro desta proposta de ser inusual, o longa ainda tem tempo para se dedicar a ótimas explorações artísticas, com cenas simulando um livro 3D (o chamado pop-up book, em inglês) e em estilo de animação à lápis. Enquanto estas duas sequências são particularmente belas, agregando-se ao filme de uma maneira delicada e sensível, todo o restante da fotografia é produzida com esmero, compondo-se de tons quentes e cores vibrantes para reverberar o tom que a trama quer passar, se estabelecendo como o mais próximo possível de um abraço cinematográfico.
E se os pequenos absurdos na história funcionam, é porque todo o elenco de apoio demonstra estar completamente confortável com os papeis que lhe são atribuídos na trama, por mais secundários – ou estranhos – que eles possam parecer. Sally Hawkins (“A Forma da Água“) e Hugh Bonneville (da série Downton Abbey) mostram-se à vontade em ser a mãe e o pai adotivos de Paddington, fazendo o que for necessário para manter o urso longe de perigos, sem privá-lo do que a vida pode oferecer. Hugh Grant (“O Agente da U.N.C.L.E.“), por sua vez, abraça o ridículo e a caricatura para ser o vilão que o filme precisa, com características que ressoam ao Conde Olaf, das “Desventuras em Série“. Todo o conjunto está engajado em suas atribuições e, por mais que tenham seus momentos, em hora alguma almejam tirar o protagonismo do ursinho falante feito de computação gráfica.
Obviamente feito com carinho, é impossível assistir “As Aventuras de Paddington 2” e não ser afetado pela aura de agradabilidade do filme. Na atual época agressiva e divisiva, é um alívio assistir a um longa para a família que seja de qualidade, e que não se apoie na dicotomia “ame-o ou deixe-o” para conseguir gerar uma legião de fãs. Se “inofensivo” pode soar como um adjetivo negativo em nossos dias, a pequenina obra transforma essa palavra em sua bandeira, tornando-se um dos filmes mais adoráveis da década.