Meryl Streep dá (mais) um show de interpretação vivendo uma personagem fascinante e tendo uma química fenomenal com Tom Hanks. Responsável pela direção, Steven Spielberg faz um trabalho refinado, entregando uma produção que vai além do óbvio.
Se fizesse o básico, “The Post – A Guerra Secreta” seria um filme qualquer. Depois de “Spotlight – Segredos Revelados” e em um momento conturbado para a imprensa nos EUA, era necessário fazer mais.
O argumento do longa reside na árdua empreitada do jornal The Washington Post para publicar documentos sigilosos conhecidos como Pentagon Papers, referentes à Guerra do Vietnã. De um lado, o jornal, personificado pela sua dona, Kay Graham (Meryl Streep, de “Florence: Quem é Essa Mulher?”), aliada ao seu editor-chefe, Ben Bradlee (Tom Hanks, de “O Círculo); de outro, o governo dos EUA, com o Presidente Nixon invocando a Lei de Espionagem para proteger a si mesmo, seu governo e de seus antecessores.
O longa segue a esteira de diversos outros que também retratam o admirável e perigoso jornalismo investigativo – atividade que envolve uma miríade de obstáculos (pesquisa, dúvidas, riscos, pressão, óbices jurídicos e luta contra o tempo). Bradlee e seus colegas representam os bons jornalistas, aqueles que sabem que a liberdade de imprensa é um bem maior. De maneira superficial, mas satisfatória, o roteiro lembra o outro lado da moeda: o dever que a imprensa tem de informar a população, que, por sua vez, tem o direito de ser informada. Ainda assim, isso tudo é básico e óbvio demais para um filme que tem Meryl Streep e Tom Hanks no elenco (com um bom elenco de apoio).
Ninguém melhor que Streep – cujo currículo fala por si só – para interpretar Kay, personagem fascinante que faz malabarismo entre a vida de socialite, cultivar as amizades de seu falecido marido, a vida familiar e, claro, os problemas do jornal. Embora seja apresentada de maneira grandiosa ao tomar uma decisão corajosa, o script deixa expresso que ela é persona non grata na posição que ocupa na empresa. Isso, contudo, não a fragiliza: ela tem sua vulnerabilidade apenas por ser muito humana (o suficiente para derrubar uma cadeira, por ansiedade, em um restaurante). Entendendo a proposta realista, Streep optou por uma interpretação minimalista – e dá (mais) um show –, investindo na linguagem corporal, demonstrando insegurança, já que Kay não está em sua zona de conforto. Assim, em diversos momentos ela olha para baixo, suas mãos tremem e seu corpo enrijece – salvo nas cenas de exposição da sua vida social, quando sua postura relaxa. Tom Hanks é também um ator muito gabaritado, todavia, a personagem é previsível e tem menos camadas. Tudo fica mais interessante quando os dois estão juntos: Ben e Kay têm um relacionamento claramente amigável, porém, quando a conversa entre eles fica mais ácida, a sutileza das atuações justifica suas reputações. Sozinho, Hanks não vai mal. Juntos, a química é fenomenal.
O terceiro grande nome da produção é o do aclamado diretor Steven Spielberg (“O Bom Gigante Amigo”). A crítica à censura da imprensa está escancarada no roteiro (é seu mote), dispensando lapidação da direção. Assim, sua primeira preocupação é engrandecer Kay é suavemente expor o machismo da época, razão pela qual, por exemplo, em uma reunião de executivos do jornal, a opção de enquadramento é em plano médio, para enfatizar que Kay é a única mulher – contudo, em uma posição de razoável destaque. Em momentos fundamentais, mesmo que ela esteja cercada de homens, o diretor molda a mise en scène de alguma forma que permita que ela seja simbolicamente exemplo para outras mulheres, também visíveis. Trata-se de uma inteligente mensagem subliminar: o espectador fixa o olho em Kay, todavia, perifericamente, na mesma cena (ou até no mesmo plano), aparecem outras mulheres mirando-a com ar de admiração.
Como se não bastasse, Spielberg apresenta uma direção refinada, com insights admiráveis – como na brilhante cena em que o material é coletado, criando a atmosfera de clandestinidade através do uso da câmera seguindo-o, da música de tensão, da precária iluminação e da climatização notívaga – e valorizando a direção de arte na representação da época (em especial na elegância do figurino de Kay). É verdade que a câmera não dispensa obviedades (como o contraplongée em uma das cenas finais), mas valoriza movimentações, em especial mediante o uso de enquadramentos two-shot, evitando o campo-contracampo na montagem (como na cena do restaurante, com uma inquietude engenhosa).
Com três gigantes de Hollywood reunidos, “The Post – A Guerra Secreta” tinha tudo para dar certo, como de fato dá. Seu grande trunfo é criar um clima de tensão sobre os detalhes dos fatos, evitando a monotonia, caminho fácil para um plot de conhecimento público. Seu grande defeito é o recorte histórico-geográfico, ao narrar um episódio da história dos EUA que, no fundo, não diz tanto a países alheios a isso. Os valores que aborda, porém, são universais.