A Pixar nos leva para uma viagem pelo Dia de los Muertos mexicano, uma jornada que, apesar de emocionante, por vezes deixa a impressão de algo já visto antes.
Sendo bastante direto, este “Viva – A Vida é uma Festa“, de Lee Unkrich (“Toy Story 3”) é um longa bem eficiente no que se propõe. Como todas as produções da Pixar, é visualmente encantador, possui um ótimo timing cômico e tem um dos melhores apogeus emocionais da história do estúdio, batendo de frente com a cena dos brinquedos de mãos dadas no já citado “Toy Story 3”. Entretanto, é inegável que o decorrer da trama escrita e co-dirigida por Adrian Molina tenha ecos de outras histórias e até mesmo de outros trabalhos do próprio estúdio, o que torna a experiência um pouco estranha para quem conhece tais outras obras.
No filme, acompanhamos a história de Miguel (voz do garoto Anthony Gonzalez), um jovem mexicano que tem o sonho de se tornar um cantor famoso como seu ídolo maior, Ernesto de la Cruz (voz de Benjamin Bratt, de “Doutor Estranho”). Acontece que sua família de sapateiros simplesmente abomina músicos por conta de um incidente do passado. Buscando provar seu talento, Miguel acaba brigando com sua família em pleno “Dia de los Muertos” e vai parar na Terra dos Mortos onde, ao lado de um falecido trapaceiro chamado Hector (voz de Gael García Bernal, de “Neruda”) , que luta para não ser esquecido pelos vivos e, portanto, apagado da existência, tenta descobrir os mistérios de seus antepassados e voltar para casa.
Em 2014, Guillermo Del Toro produziu uma outra animação chamada “Festa no Céu”, que também tinha um jovem que tentava se provar como músico, ao contrário dos desejos de sua família, e acabou na Terra dos Mortos onde encontrou seus pitorescos antepassados mortos. Era uma produção menor, mas divertida, cheia de energia e originalidade, sendo mais uma aventura romântica do que qualquer outra coisa. As semelhanças entre os dois longas acabam se mostrando bem incômodas, especialmente na jornada dos dois protagonistas para se firmarem frente às suas respectivas famílias e o risco que os personagens correm de serem esquecidos.
O foco em “Viva – A Vida é uma Festa” é mais no amadurecimento de Miguel, certamente o grande protagonista da história. A questão é que tal crescimento vem atrelado a uma virada de trama já bem conhecida dos fãs da Pixar, presente em um longa bastante querido dos cinéfilos (o qual não digo aqui para evitar spoilers). Caso o espectador não conheça as obras irmãs (por assim dizer) deste filme, certamente irá se divertir – e se emocionar – bem mais.
Não podemos deixar de citar o esmero visual do longa, não só na fantástica e colorida Terra dos Mortos, onde o design visual dos personagens é extremamente baseado na própria mitologia mexicana, sem contar uma respeitosa e importante ponta de Frida Khalo, mas até o “mundo real” dos personagens é impressionante. Cada detalhe empoeirado, a movimentação dos protagonistas, especialmente do amalucado cachorro Dante (olha a referência a “A Divina Comédia”), passando pelo design único de cada um dos membros da família, especialmente em sua matriarca, cujo rosto marcado pela idade se abre em diferentes reações, algo importantíssimo para o impacto emocional da história.
A trilha sonora, parte imprescindível da narrativa, funciona muito bem, desde as canções (com especial destaque para “Lembre de Mim”) até a trilha instrumental do sempre competente Michael Giacchino (“Jurassic World”). O ritmo da produção é bem acelerado e mantém o público interessado na narrativa, com os dois mundos conseguindo prender a atenção inclusive dos pequenos espectadores – e sim, o tema da morte é lidado com delicadeza e sensibilidade para não chocar ou assustar as crianças.
Este “Viva – A Vida é uma Festa” não recai na mesma vala que os trabalhos mais fracos da Pixar como “Carros 2” e “O Bom Dinossauro”, mas está longe da originalidade e do brilho de “Divertida Mente” ou “Wall-E”. Pior, em um ano onde “Carros 3” já mostrou certa reciclagem de ideias, a reutilização de temas aqui indica uma perigosa tendência para um estúdio que antes era sinônimo de excelência e criatividade. Mesmo que a jornada de Miguel emocione e divirta, seria bom a Pixar voltar a afinar o seu violão de ideias.