Apostar em trazer a aventura para o mundo dos games foi, certamente, o principal mérito do filme. Os mais puristas podem ficar um pouco preocupados (ou descontentes) com a decisão mas, além de criar novas possibilidades, permite conectar uma divertida história com um novo público.
Mexer em determinados filmes pode ser um grande risco, principalmente quando se trata de produções nostálgicas, com uma base de fãs muito consolidada. Existem casos que funcionam, trazendo uma necessária atualização. Porém, quando não funcionam, o filme pode cair em desgraça, tanto dos críticos quanto do público. Fazendo parte do grupo que cresceu assistindo filmes na “Sessão da Tarde” e no (saudoso) “Cinema em Casa”, é uma grande satisfação dizer que “Jumanji: Bem-Vindo à Selva” não apenas respeita o filme original de 1996, como cria um novo cenário para um clássico da infância.
Desta vez a aventura acontece no meio digital. O tabuleiro se transforma numa fita de video-game que transporta os jovens Spence (Alex Wolff, de “My Friend Dahmer”), Fridge (Ser’Darius Blain, de “Além da Escuridão: Star Trek”), Bethany (Madison Iseman, de “Wild for the Night”) e Martha (Morgan Turner, de “Sem Fôlego”) para dentro do jogo, no reino de Jumanji. Lá eles se transformam em seus avatares: Dr. Smolder Bravestone, Moose Finbar, Dr. Shelly Oberon e Ruby Roundhouse – Dwayne Johnson (“Velozes e Furiosos 8”), Kevin Hart (“Pets – A Vida Secreta dos Bichos”), Jack Black (“Kung Fu Panda 3”) e Karen Gillan (“Guardiões da Galáxia Vol. 2”), respectivamente – e precisarão usar as habilidades especiais de cada um para, juntos, salvarem o local do terrível vilão, Van Pelt (Bobby Cannavale, de “Eu, Tonya”).
Antes de qualquer coisa, é válido ressaltar a estima que o diretor Jake Kasdan (“Sex Tape: Perdido na Nuvem”) teve com o filme original. Todos os eventos desta nova obra, no mínimo, prestam uma justa homenagem ao antecessor.
Com um roteiro criativo e bem elaborado, o longa entrega ótimas situações de uma forma bem amarrada. Por não se levar a sério demais, há espaço para exageros também, mas tudo condizente com a proposta do filme e com as regras estabelecidas ao longo das cenas. O público entende as regras do jogo junto com os atores, uma forma inteligente e eficaz de explicar o que acontece, sem menosprezar quem está assistindo. Naturalmente, não se trata de uma obra com muitas camadas. Porém, dentro de sua simplicidade, é tudo encarado com seriedade na técnica e divertimento na execução, principalmente pelo quarteto principal.
Aliás, é justamente este quarteto que carrega o filme. Os atores tem carisma para cativar o público e química para as situações entre eles. E mesmo tendo Dwayne Johnson assumindo um discreto protagonismo, de modo geral ninguém sobra ou falta ao longo da película.
Mas há mais do que apenas carisma da parte dos atores. Há uma entrega satisfatória, levando em conta que eles são apenas avatares de pessoas com personalidades completamente distintas das que aparentam em Jumanji. Spencer é um nerd tímido, Fridge é o jogador de futebol americano convencido, Bethany é a patricinha fútil e Martha é garota sem jeito e inteligente. Essas características são entregues de maneira extremamente competente pelos atores. Mais do que isso, cria momentos naturalmente divertidos. E há um destaque especial para Jack Black, que consegue roubar a cena quando aparece (mostrando como ele tem um ótimo dom para papéis de coadjuvante), como quando precisa fazer xixi pela primeira vez sem saber exatamente como, ou quando precisa ensinar Ruby a sensualizar.
Aliás, eis um dos principais méritos deste roteiro. A sexualização exagerada da personagem de Karen Gillan permite um ótimo questionamento sobre qual a justificativa para alguém, naquela condição, estar usando uma roupa que a deixa tão exposta. E vai além, como na cena em que ela, por ser a única mulher do grupo, precisa distrair alguns inimigos e é convencida a usar sua sensualidade para isso (e quem a ensina é Jack Black, como já comentado). Se inicialmente a ideia pode soar machista, a conclusão da sequência provoca um eficiente questionamento sobre quem ela é e o que ela realmente poderia ter feito desde o início, além de transformar toda a cena “sensual” numa piada de bom tom.
E até o vilão raso aqui é bem justificado. Desde o começo fica claro que tudo o que acontece em Jumanji faz parte do jogo: dos clássicos NPCs (sigla em inglês para personagens não jogáveis) até as missões que precisam ser cumpridas para que a “partida” possa avançar. O vilão faz parte do jogo e sua finalidade é fazer os heróis chegarem ao fim. Se por um lado pode parecer apenas uma desculpa do roteiro para não desenvolvê-lo melhor, por outro trata-se de um recurso que utiliza de forma inteligente os conceitos estabelecidos.
Há uma certa pressa no terceiro ato que prejudica um pouco o filme. Se todo o desenvolvimento dos personagens é eficiente, a resolução final parece ser meramente uma conclusão necessária e pouco criativa. Mas ainda assim há bons momentos. Inclusive quando o filme demonstra que irá usar a personagem de Dwayne Johnson para resolver toda a situação, há uma interessante reviravolta que, mais uma vez, coloca todos para atuarem juntos.
“Jumanji: Bem-Vindo à Selva” é sem dúvida uma das melhores comédias feitas por Hollywood nos últimos anos. Não é um filme profundo, mas permite alguns breves debates sobre estereótipos, além de estabelecer uma bem-humorada crítica ao problema da sexualização de personagens femininas, seja no cinema ou em qualquer outra mídia. Tem um roteiro bem amarrado, que reverencia o filme anterior e respeita as próprias regras estabelecidas nele. De quebra, ainda consegue entregar uma aventura divertida, com boas cenas de ação, piadas que realmente funcionam e personagens carismáticos em situações improváveis.