Com personagens e situações muito cativantes, o longa do diretor Rian Johnson é uma obra corajosa e bem humorada que aposta em na nova maneira de ver o mundo.
Muito se falou, na época do lançamento, que o filme “Star Wars: O Despertar da Força” de 2015, era uma obra apoiada em demasia na estrutura do primeiro longa da franquia, “Star Wars: Uma nova Esperança” de 1978. Se por um lado recebíamos um sopro de frescor com os novos personagens Finn e Rey, por outro as situações e confrontos pelos quais eles passavam eram um tanto previsíveis e acabaram desanimando aqueles que esperavam absoluta originalidade no novo episódio da célebre saga espacial, que voltava após um hiato de dez anos. Com o absoluto sucesso do longa, muitos se perguntavam se a fórmula seria seguida à risca em “Star Wars: Os Últimos Jedi”, o segundo longa desta nova trilogia, que poderia tornar-se uma espécie de repaginação do sombrio “O Império Contra-Ataca” de 1980. Felizmente, o novo longa quebra o próprio estigma e pode ser mimetizado com tranquilidade em apenas uma palavra: surpreendente.
A trama continua exatamente do ponto onde nos despedimos dos personagens no longa anterior. Rey (Daisy Ridley, de “Assassinato no Expresso do Oriente”) encontra Luke Skywalker (Mark Hamill) em uma ilha isolada e lhe implora para que ele a acompanhe e ajude a aliança rebelde na guerra. Ao mesmo tempo, a Nova Ordem – o equivalente ao império na nova trilogia – comandada pelo General Hux (Domhnall Gleeson, de “Mãe”), que por sua vez é controlado pelo Líder Supremo Snoke (Andy Serkis, por captura de atuação), descobre a localização da última base rebelde, coordenada pela General Organa (Carrie Fisher) e parte para destruí-la. Logo no começo, em uma das melhores cenas de batalha espacial de toda a franquia – que emula os intensos bombardeios da segunda guerra mundial – os pilotos rebeldes liderados pelo comandante Poe Dameron (Oscar Isaac, de “X-Men: Apocalipse”) atacam uma enorme nave de batalha da Nova Ordem, porém logo em seguida precisam fugir e são perseguidos de perto pela esquadra inimiga. Para tentar desvencilhar a caravana espacial deste perigo, Finn (John Boyega, de “Detroit em Rebelião”) e uma nova protagonista, a dedicada funcionária de manutenção Rose (Kelly Marie Tran, de “XOXO”), partem para um novo planeta em busca de um enigmático homem que pode ajudá-los a destruir o equipamento de rastreamento que a Ordem está utilizando para segui-los. Enquanto isso, Ben Solo (Adam Driver, de “Silêncio”), o impiedoso Kylo Ren, ainda se recupera dos ferimentos sofridos na batalha anterior com Rey e passa a sentir e interagir com uma presença inesperada em seu dia a dia.
Mesmo que seja clichê, é preciso dizer que é muito difícil falar de “Os Últimos Jedi” sem entregar um único spoiler da trama. Apesar de ser o filme mais longo da franquia, com duas horas e meia de projeção, o ótimo roteiro do também diretor do longa Rian Johnson (“Looper: Assassinos do Futuro”) faz questão de guardar aqui e ali, por toda a sua duração, surpresas e easter eggs que movimentam e direcionam a história para cursos absolutamente inesperados.
Como quase todo longa que possui um grande elenco de personagens, é na divisão de protagonismo que percebemos os parcos reveses da obra. Alguns personagens ganham mais foco e desenvolvimento neste capitulo, em detrimento de outros que acabaram sendo relegados à arcos sem muita relevância para o enredo principal. Inclusive, é neste mesmo segmento que está inserido o maior problema de ritmo e função no filme, algo quase sem propósito que envolve até uma dispensável corrida de cavalos alienígenas.
Daisy Ridley continua sendo uma verdadeira força da natureza. Seu carisma é tão excepcional, que já de antemão tornam clássicas as cenas em que divide a tela com Mark Hamill e Adam Driver. Hamill, por sua vez, descarrega com fúria os quarenta anos de franquia que carregou nas costas e apresenta o melhor Luke Skywalker da história. Suas cenas vão de muito engraçadas para extremamente emocionantes em um piscar de sabres e assim o personagem ganha contornos ambivalentes e inquestionáveis nessa fabulosa abordagem. Já Driver, mostra porque foi contratado e expõe abertamente na tela, através de pequenos gestos e nuances, o conflito e a força dissonante de seu controverso personagem. A saudosa Carrie Fisher, que faleceu no fim do ano passado, recebe a maior homenagem que um filme poderia fazer por sua estrela, tornando o caminho da personagem Leia Organa no longa: único, inspirador e extraordinário. Laura Dern e Benicio Del Toro estreiam bem na franquia e ambos vivem personagens ambíguos e misteriosos. E, por fim, o piloto Dameron, interpretado com paixão por Oscar Isaac, ganha protagonismo e é bem desenvolvido na trama, transformando o personagem totalmente heroico do longa anterior em um homem de carne e osso.
A trilha sonora, mais uma vez a cargo de John Willians, é mais uma prova de sua maestria. Utilizando temas novos – alguns que curiosamente lembram o tema de Neo em “Matrix” – misturados com as músicas antigas, são bastante superiores ao seu último trabalho na cinessérie.
Rian Johnson coloca na tela todos os motivos que o levaram a ser contratado para comandar criativamente uma nova trilogia depois do episódio 9. De uma beleza plástica incomparável – as cenas no planeta de sal são inacreditavelmente lindas e até poéticas – já que o vermelho se sobrepondo ao branco é uma bela metáfora visual para a sanguinolência da guerra -, muito bom humor, criatividade e apuro técnico invejável, o diretor acertou a mão em praticamente todos os elementos do longa. Ao apostar no verdadeiro equilíbrio da força, mostrando todas as facetas possíveis de personagens que até então poderiam ser categorizados apenas como bons ou maus, ele demonstra uma confiança e coragem pouco vista no “cinemão” pipoca americano. A fotografia ajuda muito nessa divisão entre luz e escuridão, apontando toda a dualidade visível no semblante dos personagens. Como bônus, Johnson nos proporciona duas ou três cenas incríveis em câmera lenta, importantíssimas para o filme, que farão o cineasta Zack Snider (“Liga da Justiça”) sentir-se feliz e orgulhoso na poltrona do cinema!
Em “Star Wars: Os Últimos Jedi” perguntas importantes são respondidas, ao mesmo tempo que novas e interessantes questões são colocadas para o capitulo final da trilogia. Equilíbrio, humor, harmonia e um final pra lá de inspirador são as características que alçam o longa à um dos melhores de toda a franquia. E agora, que a força esteja com J.J. Abrams (“O Despertar da Força”) , que têm a responsabilidade empírica de continuar e finalizar essa incalculável história.