O que mais se destaca no filme é a forma sutil, mas sem enrolação, que o roteiro utiliza para nos prender. Um terror que ganha força a cada cena e nos coloca dentro da mente de um personagem cada vez mais perturbado.
Adaptações de obras do Stephen King nem sempre são fáceis. O estilo normalmente prolixo das obras obrigam os roteiristas a fazerem escolhas que por vezes não funcionam muito bem no cinema. Existem diversas obras, porém, principalmente contos, que possuem uma narrativa direta. Dessa forma o roteiro pode se concentrar em quase todos os detalhes e acaba indo bem como adaptação. É o que acontece com “1922”.
A sinopse é bem simples, até. Trata-se de uma adaptação do conto de mesmo nome, presente na coletânea “Escuridão Total Sem Estrelas” e apresenta a história de um fazendeiro que decide assassinar a mulher para impedir que ela venda as terras que herdou do pai. Com o tempo, o peso do crime começa a atormentá-lo com visões da falecida esposa.
Um dos principais méritos aqui é conseguir ir direto ao ponto sem ser apressado. A história é narrada pelo protagonista, o fazendeiro Wilfred James (Thomas Jane, “Homens de Coragem”), e a primeira narração já nos deixa claro as circunstâncias do casamento dele com Arlette James (Molly Parker, “Pequenos Delitos”) e já nos entrega a motivação do crime. Mesmo que possa parecer um pouco forçado logo no início, conforme vamos conhecendo Wilfred passamos a entender sua decisão.
Aliás, o foco do filme não está nem no crime em si, mas nas suas consequências como o próprio protagonista comenta logo no início. Todo o sofrimento que o acompanha a partir do assassinato da mulher é o foco da história, principalmente a forma como o seu filho, Henry James (Dylan Schmid, da série “Shut Eye”), foi afetado. Nesse sentido, o diretor Zak Hilditch (“As Horas Finais”) consegue ser consistente. A forma como vamos vendo a progressiva transformação de Wilfred, de um homem forte e decidido para alguém que sente o peso do crime, é consistente e natural.
Tudo no filme segue a mesma lógica gradual. Os ratos que surgem para assombrar Wilfred ou a casa que vai sendo destruída aos poucos, tudo reforça a transformação destrutiva do protagonista. Pequenos elementos que não apenas o assombram, mas o acompanham em sua própria desgraça.
Há um pequeno excesso, ainda durante o primeiro ato, nas narrações em off do protagonista. Um artifício para ganhar tempo de tela – e que será muito bem aproveitado adiante – mas que não prejudica, no geral, o desenvolvimento do roteiro. Nos momentos em que Wilfred é assombrado pelo crime cometido, não há um narrador para nos dizer o que ele sente, o ator demonstra isso com muita eficiência. A cena do porão é particularmente perturbadora nesse sentido. Utilizando um argumento plantado momentos antes, o roteiro é extremamente eficiente em atingir o ápice deste terror (e aqui cabe um agradecimento ao próprio King por conseguir criar uma cena tão visualmente terrível, no melhor sentido, é claro), não por um susto fácil (coisa ausente no filme), mas por uma situação de delírio e extremo pavor.
Se o terror está nos detalhes, a mise-en-scène do filme consegue ser ao mesmo tempo discreta e extremamente funcional. Seja no vestido que está sempre ali, mas só chama a atenção no momento certo (quase como um fantasma aguardando o clímax para nos assombrar), seja no cenário da fazenda como um todo, discretamente desconfortável, como se houvesse a necessidade de haver mais uma pessoa naquele local, dona de cadeiras vazias e roupas deixadas ao acaso.
Sem dúvida, “1922” é um presente para o fãs de Stephen King, da mesma forma como é para quem gosta de um filme de terror que não se obriga a cair em convenções. Uma história sobre o pior que há numa pessoa e a forma como suas atitudes podem te afetar. Um filme ágil, perturbador e nada óbvio.