Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha (2017): responsável por não cativar

Baseado em fatos reais com injeções de ficção, o longa não desperta emoções ou reflexões. Judi Dench e Ali Fazal salvam o filme de uma tragédia.

Na literatura, Antoine de Saint-Exupéry obteve êxito incomparável ao consagrar em sua clássica obra a frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. De certa forma, “Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha” retoma o ensinamento do francês. Porém, de uma maneira não tão fascinante e muito mais literal.

O longa retrata a improvável amizade formada entre a Rainha Victoria (Judi Dench, de “007 – Operação Skyfall”) e Abdul Karim (Ali Fazal, de “Velozes & Furiosos 7”). A improbabilidade é conclusão do abismo pessoal entre eles: ela, uma monarca britânica idosa (e nos últimos anos de seu reinado); ele, um jovem indiano cuja missão era apenas presenteá-la com uma moeda comemorativa, oriunda de seu país (governado formalmente pela Grã-Bretanha à época). Abdul quebra levemente o protocolo da cerimônia, ousadia que a surpreende e faz com que ele ganhe sua confiança.

É um “filme baseado em fatos reais”, todavia, não se sabe até que ponto – existe a ressalva de que há ficção a partir da realidade. Trata-se de um feel good movie de fortíssimo viés cômico, mas que se torna repetitivo em sua narrativa rocambolesca: Abdul representa a perturbação da ordem, enquanto o círculo social da Rainha, ao não compreender o que o indiano representa para ela (tampouco o que os dois fazem), especula as atividades praticadas e espiona a dupla. É um humor leve e direto, sem o sarcasmo típico britânico.
Nesse sentido, o script, no geral, é bastante raso e acrítico. Ocasionalmente, o choque cultural é mencionado, por exemplo, quando os indianos rotulam os britânicos de bárbaros ou quando a Rainha afirma que os escoceses são ásperos. Enquanto Abdul enxerga sua ida a Londres como uma honra, seu colega indiano vê os ingleses como opressores. Porém, são passagens minoritárias, ofuscadas por um texto bastante brando.

Tamanha doçura cede para um terceiro ato dramático, cuja quebra de tom mostra falta de habilidade do diretor Stephen Frears (“Philomena”, também protagonizado por Dench) em transitar organicamente entre os gêneros cinematográficos. No que se refere à direção de elenco, trabalhar com Judi Dench é certamente uma facilidade, pois a atriz domina a linguagem da interpretação como poucos, mesmo assumindo um papel pouco desafiador – salvo, talvez, nas transições emocionais. Ali Fazal, por outro lado, enfrenta uma tarefa mais difícil: Abdul é um apaixonado pela vida e ensina que as pessoas vivem para servir, é isso que o torna cativante, transmitir isso além do texto não é fácil. Interessante observar que Fazal pronuncia pausadamente as palavras, como se pensasse muito antes do que fosse falar e como se não dominasse a língua inglesa, dando verossimilhança à atuação. Em síntese, a dupla principal é, facilmente, o que há de melhor na película – os dois salvam o filme de uma tragédia, graças ao seu talento e seu carisma.

A direção de arte é boa, mas não aproveita o potencial que tem em relação aos elementos indianos, valorizando apenas os cenários britânicos, em especial a fotografia – “A Rainha”, filme também dirigido por Frears, é melhor no quesito. A originalidade não é virtude do longa, que chega a fazer referência a “Florence: Quem é Essa Mulher?”, do mesmo diretor, que, por sua vez, é versão cômica de uma mesma história na qual se baseou o premiado drama francês “Marguerite”. A trilha sonora é usada de maneira excessiva, manipulando equivocadamente o espectador, pois as cenas já possuem a mensagem que se quer passar.

Abdul pode ter cativado uma amizade valiosa para a Rainha Victoria. No entanto, o filme “Victoria e Abdul” não foi responsável por despertar emoções ou reflexões dignas da consagração eterna.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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